Uma análise da compreensão de ensino e aprendizagem nos documentos do Primary Years Programme do International Baccalaureate
An analysis of the understanding of teaching and learning in the Primary Years Programme documents of the International Baccalaureate
Isabela Vieira Barbosa 1
Marcia Regina Selpa Heinzle 2
Resumo
Nas últimas décadas o ensino de idiomas tem se intensificado no nosso país, em virtude da globalização e da expansão de escolas bilíngues e internacionais. A partir de um olhar para a internacionalização da educação básica, o presente artigo tem como objetivo analisar a compreensão de ensino e aprendizagem do programa Primary Years Programme do International Baccalaureate (IB) a partir da análise do documento "Learning and Teaching”. Os dados indicam que os documentos do IB direcionam o ensino para uma perspectiva transdisciplinar com foco em projetos. Para isto, o documento orienta que o aluno deva ser o centro de todo o processo de ensino e aprendizagem. Ademais, observamos uma influência de movimentos pedagógicos como Reggio Emilia e Montessori, bem de autores como Gardner ao defender as experiencias e as diferentes habilidades dos estudantes. Neste sentido, fica clara a relação do currículo do IB como um motor para a construção de projetos e de uma aprendizagem por conceitos, apesar de existir lacunas, que conforme o documento aponta, devem ser construídas por cada escola a partir de suas realidades regionais e nacionais.
Palavras-chave: internacionalização da educação básica, International Baccalaureate, escolas internacionais, currículo
Abstract
In recent decades, language teaching has intensified in our country, due to globalization and the expansion of bilingual and international schools. Looking at the internationalization of basic education, this article aims to analyze the understanding of teaching and learning in the Primary Years Programme of the International Baccalaureate (IB) through the analysis of the document "Learning and Teaching". The data indicate that the IB documents direct teaching towards a transdisciplinary perspective with a focus on projects. To this end, the document states that the student should be the center of the entire teaching and learning process. Moreover, we observe an influence of pedagogical movements such as Reggio Emilia and Montessori, as well as authors such as Gardner when defending the experiences and the different abilities of students. In this sense, it is clear the relationship of the IB curriculum as an engine for the construction of projects and learning by concepts, although there are gaps, which, as the document points out, should be built by each school from their regional and national realities.
Keywords: internationalization of basic education, International Baccalaureate, international schools, curriculum
Introdução
Nas últimas décadas tem sido observado um crescimento da procura por cursos de idiomas, e consequentemente uma intensificação de escolas com foco no ensino de diferentes línguas. O crescimento de escolas bilíngues tem ocorrido como um efeito colateral dessa busca por conhecer e dominar uma nova língua. Neste sentido, Moura (2009) explicita que “A educação bilíngue oferecida nas escolas particulares do Brasil é denominada de ‘de elite’ [...] porque suas altas taxas e mensalidades a tornam proibitiva para a maior parte da população do país” (Moura, 2009, p.29).
Dentre as escolas bilíngues, observou-se ainda o crescimento das escolas de currículo internacional. Thiesen (2018, p. 4) explica que “O conceito de escola internacional vem sendo discutido especialmente por pesquisadores que analisam a problemática educacional nos contextos de transnacionalização e internacionalização”, pois assim como o conceito de educação bilíngue ainda não existe de forma definitiva, mas as escolas internacionais também permeiam um novo campo de discussão.
O autor ainda explicita que “As escolas que se assumem com essa tipologia (EI) desenvolvem experiências curriculares que pretendem ser consideradas referências de internacionalização dos currículos na Educação Básica” (Thiesen, 2018, p. 5), se distanciando das escolas bilíngues por ampliar não apenas o ensino do idioma, mas por englobar outras características. “São escolas que geralmente incorporam o desenvolvimento da cidadania global em suas declarações de missão, o que implica que preparam seus alunos para se tornarem membros de uma sociedade global”. (Thiesen, 2018, p.5)
A escolha pelo International Baccalaureate, mais especificamente, se justifica, pois, este “nas últimas décadas o IB tornou-se, no mundo todo, o mais importante instrumento de credenciamento das EI e o mais bem conceituado mecanismo de estreitamento do acesso de estudantes da Educação Secundária à Superior” (Thiesen, 2018, p. 6-7). Hoje, o IB está presente em 52 escolas brasileiras, das quais 24 oferecem o Primary Years Programme, equivalente aos anos iniciais do Ensino Fundamental brasileiro, que será apresentado neste recorte.
O presente trabalho está inserido em um projeto maior que busca analisar e discutir a internacionalização na educação básica. Neste sentido, este artigo é um recorte de pesquisas realizadas sobre o currículo do International Baccalaureate para os anos iniciais, no programa intitulado “Primary Years Programme” (IB).
Assim, a escolha da análise documental parte de uma compreensão de que este é um “método de coleta de dados que elimina, ao menos em parte, a eventualidade de qualquer influência – a ser exercida pela presença ou intervenção do pesquisador – do conjunto das interações, acontecimentos ou comportamentos pesquisados” (Cellard, 2008, p. 295). Para isso, foram analisados os documentos norteadores do programa PYP do International Baccalaureate, mas iremos apresentar com maior profundida um recorte das discussões presentes no documento “Learning and Teaching”.
O referente documento elaborado e publicado pelo próprio organismo de dupla titulação, o International Baccalaureate, é desenvolvido por especialistas convidados pelo IB e são documentos norteadores para as instituições de ensino básico que fazem parte da instituição. Neste sentido, compreendemos que o documento de ampla divulgação entre as escolas IB pode ser entendido como um dos principais orientadores para a construção e desenvolvimento curricular das escolas vinculadas ao IB.
Cellard (2008, p. 288) explicita que “o exame minucioso de alguns documentos ou bases de arquivos abre, às vezes, inúmeros caminhos de pesquisa e leva à formulação de interpretações novas, ou mesmo à modificação de alguns dos pressupostos iniciais”, e com este olhar buscamos ao longo deste artigo compreender e discutir a compreensão trazida ao longo do documento sobre o ensino e aprendizagem.
Desarrolho
O ensino e aprendizagem no Primary Years Programme
O documento norteador começa apresentando a sua compreensão diante do que chama de “um modelo transdisciplinar de aprendizagem”. Neste sentido, nos remetemos a Morin (1991, p. 123), para compreendemos que transdisciplinaridade é um conceito amplo, uma vez que:
Além disso, quando se toma o todo não se vê a riqueza das qualidades das partes, por ficarem inibidas e virtualizadas, impedidas de expressarem-se em sua plenitude. Daí que o todo é menor do que a soma de suas partes. As relações das partes com o todo são dinâmicas, portanto, o todo é, ao mesmo tempo, menor e maior que a soma das partes. (Morin, 1991, p. 123)
Compreendemos que apesar de o documento não aprofundar o que se entende de transdisciplinaridade, abordarmos essa discussão se faz essencial para a compreensão. Muitas vezes o termo transdisciplinar é utilizado como sinônimo para multidisciplinaridade. Entretanto, esse conceito não é substituível. Para o autor, a transdisciplinaridade é distinta da multidisciplinaridade e da interdisciplinaridade por causa de seu objetivo, a compreensão do mundo presente, que não pode ser realizada no âmbito da pesquisa disciplinar.
Assim, compreendemos primeiramente que transdisciplinaridade diz respeito ao que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de todas as disciplinas. Em outras palavras, poderíamos resumir que a multidisciplinaridade ocorre quando mais de uma disciplina trabalha de forma colaborativa, mas cada uma respeitando os limites de sua própria área do conhecimento. A transdisciplinaridade, ao contrário, une as diferentes áreas do saber por meio de um planejamento e de propósitos em comum.
Assim, o PYP defende que o seu programa possibilita uma abordagem curricular que perpassa as disciplinas, uma a uma e, ao mesmo tempo, avança para além destas áreas do saber. O documento enfatiza que busca promover a aprendizagem participativa e integrada, valorizando a curiosidade, as perguntas e a voz dos alunos (IB, 2019). Assim, entendemos que na perspectiva do documento, o IB se propõe a uma prática efetivamente transdisciplinar, mas que pode ou não se efetivar na prática, a depender das escolhas e orientações dos docentes. Neste sentido, o currículo demonstra um direcionamento para essa perspectiva, mas ainda se situa apenas no campo das orientações, sem definições ou objetivos específicos que imponham esta prática.
Para isso, o IB propõe uma aprendizagem holística que demonstra os objetivos da aprendizagem e como estes podem ser desenvolvidos.
Quadro 1
Aprendizagem holística
A aprendizagem… | Como? |
---|---|
amplia a dimensão internacional do PYP | Os temas têm significado global – para todos os alunos em todas as culturas e em todos os lugares. |
é autêntica e envolvente | Os temas abordam os desafios contemporâneos em torno do meio ambiente, desenvolvimento, paz e conflitos, direitos e responsabilidades e governança. |
é profunda | Os temas são revisitados ao longo dos anos iniciais dos alunos para que o resultado final seja a imersão em conteúdos curriculares amplos, aprofundados e articulados. |
é coesa | Os temas contribuem para o terreno comum que unifica o currículo em todas as Escolas Mundiais do IB que oferecem o PYP. |
é conectada | O modelo é sustentado por conhecimentos, entendimentos conceituais e habilidades das áreas temáticas tradicionais, mas os utiliza de maneiras que transcendem os limites dessas disciplinas. |
é relevante e atual | O modelo permite que recursos sejam extraídos de eventos globais atuais e desenvolvimento de tecnologia para se preparar para o futuro. |
Nota: IB (2019 – tradução nossa).
O documento justifica que os temas transdisciplinares a serem escolhidos e que guiarão os projetos, devem ser de relevância global para que possam guiar a estrutura do PYP (IB, 2019). Entretanto, questionamos a partir da perspectiva dialógica as relações de poder. Para Bakhtin (2006, p. 113), “a situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam completamente e, por assim dizer, a partir do seu próprio interior, a estrutura da enunciação”. Neste sentido, entendemos que a própria escolha dos temas a serem trabalhados, tanto pelo IB, quanto pelas escolas, instituem uma relação de poder, que define a partir de qual lente as relações sociais serão analisadas.
Na perspectiva bakhtiniana, compreendemos então que “a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o locutor” (Bakhtin, 2006, p. 112), no caso dos temas transdisciplinares, este representante será às instituições que definem e impõem o currículo internacionalizado.
Nessa perspectiva, o documento sinaliza que os temas transdisciplinares são apropriados do ponto de vista cognitivo e de desenvolvimento para os estudantes porque têm uma importância duradoura e de forte identificação (IB, 2009). O documento, assim, destaca autores da perspectiva cognitiva como Howard Gardner e Veronica Boix-Mansilla. Gardner, citado anteriormente em outros textos dos documentos do IB é conhecido principalmente pela teoria das múltiplas inteligências, que corrobora com diferentes perspectivas defendidas pelo IB. Boix-Mansilla, professora argentina que atua em Harvard, é conhecida pelo Projeto Zero1, que explora, entre outras formas de pensamento em sala de aula, as competências interculturais.
Os dois autores defendem que esses temas geradores são “questões para as quais respostas de vários graus de adequação foram promulgadas ao longo dos séculos em diversas culturas. Essas questões fundamentais são articuladas por crianças pequenas, por um lado, e por filósofos experientes, por outro” (Gardner; Boix-Mansilla; 1999, p. 83). Assim, entendemos que os temas transdisciplinares do PYP devem ser amplos em escopo e atemporais por natureza. No entanto, esses temas devem possibilitar que as crianças demonstrem sua capacidade de analisar, resolver problemas e desenvolvendo sua criticidade, como vemos em outros tipos de abordagens educativas como Reggio Emilia e Montessori.
Esse entendimento da escola como ambiente de desenvolvimento de habilidades (Gardner; Boix-Mansilla, 1999) é influenciado por metodologias nas quais os estudantes são o centro da aprendizagem, justifica-se no documento quando o IB se posiciona destacando que as crianças não chegam à escola sabendo da departamentalização das disciplinas porque, fora do ambiente escolar, os conhecimentos não estão compartimentalizados. Por isso, destaca que uma educação transdisciplinar “permite estabelecer vínculos entre pessoas, fatos, imagens, representações, campos de conhecimento e ação e descobrir o Eros [amor] pela aprendizagem durante toda a nossa vida”.
Piaget introduziu o conceito inicial de transdisciplinaridade, definindo-o como um “estágio superior” (Piaget, 1973) da interdisciplinaridade. Para o autor, a diferença está no termo trans, que se refere a algo que atravessa e permeia as disciplinas, enquanto o termo inter situa-se no interior de cada uma das disciplinas.
O documento traz a voz de Klein (2004, p. 516) para corroborar com a importância de uma educação transdisciplinar, ao destacar que “a ciência e a arte de descobrir pontes entre diferentes áreas do conhecimento e diferentes seres. A principal tarefa é a elaboração de uma nova linguagem, lógica e conceitos para permitir um diálogo genuíno”.
Assim, o valor da aprendizagem transdisciplinar está na integração de conhecimentos e experiências dos diferentes sujeitos (alunos, professores e comunidade escolar), disciplinas e perspectivas, e não apenas de um único indivíduo. Para isso, a transdisciplinaridade defendida no documento, exige uma abordagem colaborativa e baseada na comunidade para resolver problemas e considerar oportunidades centradas em temas comuns.
A ideia transmitida pelo documento, é a de que, ao implementarem o PYP em seu próprio contexto, as escolas e suas equipes pedagógicas poderão oportunizar experiências de aprendizagem transdisciplinar para todos na comunidade (IB, 2019). Isso ocorrerá por meio do currículo e dos temas transdisciplinares, projetando ambientes e experiências de aprendizado e consolidando cronogramas para permitir a colaboração. Reforça-se ainda, ao longo do documento, a importância da reunião de planejamento, uma oportunidade essencial para que os professores trabalhem sua interpretação pessoal da relação entre teoria e prática.
Figura 1
Os elementos transdisciplinares do PYP
Fonte: IB (2009)
Os temas transdisciplinares buscam fornecer o contexto para as escolas elaborarem um programa de investigação para toda a escola, sendo este o centro da pedagogia defendida pelo PYP e o centro de sua estrutura flexível. O programa de investigação articula seis temas transdisciplinares em conjunto com os conteúdos a serem definidos por cada escola, conforme o currículo de cada país. Em um nível, é planejado – por meio do currículo prescrito –, em outro nível, é dinâmico porque o programa transdisciplinar deixa espaço para direcionamentos e conexões emergentes e inesperadas que os alunos possam encontrar. Quando isso acontece, a equipe de ensino pode modificar o programa de investigação ou desenvolver compromissos de aprendizagem adicionais (IB, 2019).
Neste sentido, a filosofia da escola compreende que, por meio das unidades de indagação e de todo o programa elaborado, tanto estudantes como professores e membros da comunidade escolar podem ser compreendidos como pesquisadores. Algo que nos aproxima da perspectiva freiriana de investigação e pesquisa. Freire (1996, p. 32) explicita que a curiosidade deve ser explorada como inquietação indagadora, “como inclinação ao desenvolvimento de algo, como pergunta verbalizada ou não, como procura de esclarecimento, como sinal de atenção que sugere alerta, faz parte do fenômeno vital”, ainda ressaltando que sem essa curiosidade indagadora, não haveria criatividade, o que nos deixaria “pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando-lhe algo que fazemos” (Freire, 1996, p. 32).
Assim, compreendemos o papel do professor como ser pesquisador, dentro de uma compreensão de que “Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino” (Freire, 1996, p. 29). À docência então, cabe o papel de ser mediadora entre o conhecimento e o aluno e, para isso, a pesquisa, ou, indagação, conforme chamado nos documentos do PYP, é a forma pela qual o docente proporciona ao aluno essa aprendizagem. Nas palavras de Freire,
Enquanto ensino, continuo buscando, procurando. Ensino porque busco, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade. (Freire, 1996, p. 29)
Para organizar esses conhecimentos, o PYP elenca sete conceitos-chave, bem como outros conceitos que identifica como conceitos-relacionados. É destacado no documento que esses conceitos foram escolhidos conforme sua “significância para tanto a aprendizagem transdisciplinar como para a aprendizagem de conteúdos específicos” (IB, 2019, p. 13 – tradução nossa).
Se por um aspecto os temas escolhidos buscam a transdisciplinaridade, a aprendizagem de línguas tende a ser transdisciplinar por natureza. Gee (2001, p. 136) explicita que “As linguagens humanas são usadas para uma ampla gama de funções, incluindo, mas não se limitando a transmitir informações”. Os alunos usam a linguagem não apenas para aprender, mas para se basear em seus conhecimentos prévios, experiências e contextos culturais. A linguagem, então, exerce o papel de ponte para a criação de significado e a conexão humana. Nessa perspectiva, uma abordagem de multiletramentos para a aprendizagem de línguas fornece uma estrutura para desconstruir a construção de significado disciplinar, resultando em novos artefatos e entendimentos que se relacionam e representam os alunos e sua aprendizagem (IB, 2019).
O documento analisado destaca ainda que “O compromisso do PYP com o multilinguismo é central tanto para promover a mentalidade internacional quanto para mudar e moldar o entendimento com base nas perspectivas e origens do pesquisador”. (IB, 2019, p. 15 – tradução nossa). Do mesmo modo, retomamos a Gee (2001), posto que o autor nos ajuda a compreender, em uma perspectiva sociocognitiva, que a linguagem pode ter duas funções essenciais: “apoiar o desempenho da ação no mundo, incluindo atividades e interações sociais; para apoiar a afiliação humana em culturas e grupos sociais e instituições através da criação e sedução de outros para assumir certas perspectivas sobre a experiência” (Gee, 2001, p. 136-137).Ou seja, a linguagem serve tanto como meio de comunicação, para nos situarmos sócio e historicamente, como suporte para as ações que iremos realizar – tanto no campo social como no intelectual. Nas palavras de Gee (2001, p. 138): “os significados das palavras, frases e sentenças são sempre situados, ou seja, personalizados para nossos contextos reais”.
Os professores que atuam no PYP são incentivados a se envolverem em um planejamento colaborativo. Engajar-se com o conceito de transdisciplinaridade força uma mudança de paradigma que tira a maioria dos professores de sua zona de conforto. Essa zona de conforto requer uma abertura ao diálogo, com os companheiros profissionais, mas também com os saberes e os estudantes. Para Freire (1996, p. 69) “Viver a abertura respeitosa aos outros e, de quando em vez, de acordo com o momento, tomar a própria prática de abertura ao outro como objeto da reflexão crítica deveria fazer parte da aventura docente”.
Da mesma forma, a abordagem transdisciplinar pede que os professores especialistas, como professores de arte, música ou educação física, do PYP saiam de suas áreas de atuação para pensar como questionadores. Novamente, percebemos uma perspectiva freiriana, na qual os docentes devem se relacionar com os saberes na prática, utilizando-os de forma contextualizada, por meio da investigação e da curiosidade. “Faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa. O de que se precisa é que, em sua formação permanente, o professor se perceba e se assuma, porque professor, como pesquisador” (Freire, 1996, p. 16). Pensar como um professor de sala de aula, e não como um especialista – centrado em sua disciplina – pode fortalecer as interações professor-aluno, levando ao envolvimento e bem-estar do aluno.
Outra influência que é percebida ao longo dos documentos, é de Bourdieu (1990). Ao abordar os temas transdisciplinares e a importância destes para o desenvolvimento da aprendizagem, mas também de aspectos como criatividade, pensamento crítico e imaginação, observamos aspectos defendidos pelo autor. Por exemplo, a capacidade de sintetizar informações ou dados e a capacidade de tirar conclusões a partir dos dados estão relacionadas às habilidades de pensamento e pesquisa.
Quadro 2
ATL - Abordagens de aprendizagem
Categorias | Sub-habilidades |
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Habilidades de pensamento | • Habilidades de pensamento crítico (analisando e avaliando questões e ideias). • Habilidades de pensamento criativo (gerando novas ideias e considerando novas perspectivas). • Transferir habilidades (usando habilidades e conhecimentos em vários contextos). • Reflexão/habilidades metacognitivas ((re)considerando o processo de aprendizagem). |
Habilidades de pesquisa | • Habilidades de alfabetização da informação (formulação e planejamento, coleta e registro de dados, síntese e interpretação, avaliação e comunicação). • Habilidades de alfabetização midiática (interagindo com a mídia para usar e criar ideias e informações). • Uso ético de mídia/informação (compreendendo e aplicando tecnologia social e ética). |
Habilidades de comunicação | • Habilidades de troca de informações (ouvir, interpretar, falar). • Habilidades de alfabetização (ler, escrever e usar a linguagem para coletar e comunicar informações). • Habilidades em TIC (usando tecnologia para coletar, investigar e comunicar informações). |
Habilidades sociais | • Desenvolver relacionamentos interpessoais positivos e habilidades de colaboração (usando autocontrole, gerenciando contratempos, apoiando colegas). • Desenvolvimento de inteligência socioemocional. |
Habilidades de autogestão | • Habilidades de organização (gerenciando tempo e tarefas de forma eficaz). • Estados de espírito (mindfulness, perseverança, gestão emocional, automotivação, resiliência). |
Fonte: IB (2019, p. 29 – tradução nossa)
O IB defende que a proficiência em qualquer uma dessas habilidades pode ser apoiada pelo uso deliberado de técnicas e estratégias, tais como feedback e desafios (IB, 2019). Por exemplo, pesquisas recentes demonstram que a percepção sobre criatividade como algo limitado a traços psicológicos individuais é errônea; a criatividade também pode ser aprendida (McWilliam, 2009; Gardner, 1993) quando os alunos têm oportunidades de praticá-las.
O papel da indagação
A indagação é a principal abordagem pedagógica do PYP apresentada de forma reincidente em diferentes partes do texto do documento analisado. O documento norteador aponta que, para o IB, os alunos devem estar ativamente envolvidos em seu próprio aprendizado, bem como devem assumir a responsabilidade por esse aprendizado. A aprendizagem dentro da perspectiva do PYP é abordada como um espírito de investigação. A partir dos temas transdisciplinares e dos questionamentos dos estudantes, a investigação é a forma pela qual os alunos se relacionam, exploram e entendem o mundo ao seu redor.
Essa forma de entender o mundo pode ser compreendida numa perspectiva dialógica como os sentidos atribuídos ao processo de aprendizagem. Neste sentido, Smolka (2000, p. 31) elucida que “os indivíduos são afetados, de diferentes modos, pelas muitas formas de produção nas quais eles participam – também de diferentes maneiras; ou seja, os sujeitos são profundamente afetados por signos e sentidos produzidos nas (e nas histórias das) relações com os outros”.
Em relação ao tempo para a investigação, o documento destaca que a investigação baseada em conceitos requer um tempo prolongado. Tempos de aula curtos ou com interrupções contínuas no aprendizado resultam em interrupção do questionamento, colaboração, reflexão e ação do aluno. A falta de tempo para o desenvolvimento da aprendizagem prejudica a autoeficácia dos alunos e pode ter um impacto na profundidade da compreensão.
Outro aspecto relevante é a colaboração. A chave para um programa investigativo de sucesso é o planejamento entre professores, especialistas e demais funcionários de apoio.
O ensino explícito reforça que há uma função específica para o professor neste processo de aprendizagem do estudante. No entanto, o documento reforça que esse momento de processamento cognitivo para a aprendizagem pode ocorrer em grandes ou pequenos grupos, conforme as conexões estabelecidas pelo professor entre os conhecimentos prévios e os novos conhecimentos a serem adquiridos.
Para isso, além de tempo, da colaboração aluno-professor, professor-professor, conhecimentos e habilidades fundamentais, outros recursos são importantes. Os recursos como tecnologia, biblioteca, livros, materiais manipuláveis etc., contribuem igualmente para a profundidade de uma investigação. As unidades de indagações a serem desenvolvidas necessitam de recursos e espaços de aprendizagem cuidadosamente planejados para ampliar as habilidades de pensamento, pesquisa e comunicação dos alunos.
Os exemplos de investigação já descritos na literatura têm como base os estudos de John Dewey. No documento analisado, percebemos essa forte influência ao colocar a investigação como centro da aprendizagem, trazendo a reflexão e a ação como formas de desenvolvimento do pensamento crítico dos estudantes.
Os alunos constroem crenças e modelos mentais sobre como o mundo funciona com base em suas experiências e aprendizados prévios. Eles integram o novo conhecimento com o conhecimento existente e aplicam esses entendimentos em uma variedade de novos contextos. O objetivo é de que os estudantes possam aprender a reconhecer padrões e ver as conexões entre exemplos discretos para fortalecer os entendimentos conceituais. Um conceito é uma “grande ideia” e o PYP identifica sete conceitos-chave (Quadro 3) que buscam facilitar o planejamento de uma abordagem conceitual para aprendizagem transdisciplinar e disciplinar específica.
Quadro 3
Conceitos-chave para unidade de indagação
Conceito-chave | Pergunta-chave | Definição |
---|---|---|
Forma | Como é? | A compreensão de que tudo tem uma forma com características reconhecíveis que podem ser observadas, identificadas, descritas e categorizadas. |
Função | Como funciona? | A compreensão de que tudo tem um propósito, um papel ou uma forma de se comportar que pode ser investigada. |
Causa | Por que é como é? | A compreensão de que as coisas não acontecem simplesmente; existem relações causais no trabalho e que as ações têm consequências. |
Mudança | Como está se transformando? | A compreensão de que a mudança é o processo de movimento de um estado para outro. É universal e inevitável. |
Conexão | Como ele está ligado a outras coisas? | A compreensão de que vivemos em um mundo de sistemas interativos em que as ações de qualquer elemento individual afetam os outros. |
Perspectiva | Quais são os pontos de vista? | A compreensão de que o conhecimento é moderado por diferentes pontos de vista que levam a diferentes interpretações, entendimentos e descobertas; perspectivas podem ser individuais, grupais, culturais ou específicas de um assunto. |
Responsabilidade | Quais são nossas obrigações? | A compreensão de que as pessoas fazem escolhas com base em seus entendimentos, crenças e valores, e as ações que elas realizam como resultado, fazem a diferença. |
Fonte: IB (2019, p. 49).
As unidades de indagação no PYP partem de uma ideia central. A ideia central é a lente conceitual pela qual o projeto transdisciplinar será analisado. Ela fornece aos professores uma estrutura para introduzir conceitos que abrangem aspectos culturais e disciplinares para apoiar a compreensão conceitual dos alunos de um tema transdisciplinar. Neste sentido, podemos elucidar que os conceitos são as grandes ideias, as quais levarão os estudantes ao entendimento sobre o assunto abordado ao longo do projeto transdisciplinar. Por outro lado, os conteúdos didáticos desenvolvidos, são os fatos, objetos mais específicos que se resumem a um conhecimento que não pode ser transferido ou interpretado em outro contexto.
Da visão de Bourdieu. Nas palavras do autor, o capital cultural é o
[...] conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e de interreconhecimento ou, em outros termos, à vinculação a um grupo, como conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns (passíveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos), mas também são unidos por ligações permanentes e úteis. (Bourdieu, 1998, p. 28)
Ainda, nas palavras do autor, esse capital pode ocorrer de três formas: no estado incorporado, no estado objetivado ou ainda no estado institucionalizado. No primeiro caso, o capital cultural se apresenta “sob a forma de disposições duráveis do organismo” (Bourdieu, 1979, p. 2). No estado objetivado, este capital se apresenta “sob a forma de bens culturais – quadros, livros, dicionários, instrumentos, máquinas, que constituem indícios ou a realização de teorias ou de críticas dessas teorias, de problemáticas, etc.” (Bourdieu, 1979, p. 2). No último, podemos ver uma relação ainda mais aprofundada com o currículo e a relação cultural-linguística discutida, uma vez que essa forma “[...] de objetivação que é preciso colocar à parte porque, como se observa em relação ao certificado escolar, ela confere ao capital cultural – de que são, supostamente, a garantia – propriedades inteiramente originais” (Bourdieu, 1979, p. 2).
A expansão do pensamento se dará, então, a partir da geração de mais perguntas e consultas aos estudantes, buscando esclarecimentos e aprofundando a compreensão. A possibilidade de diálogos colaborativos que enfatizam a amplitude e profundidade de compreensão também são facilitadores na construção de significado pelos estudantes.
Para tal finalidade, é necessário conectar o aprendizado por meio do incentivo à aplicação de conhecimentos e habilidades anteriores, criando oportunidades para refletir sobre conceitos entre e além dos assuntos, visando a garantir a relevância das experiências dos alunos dentro e fora da escola. Isso requer a abertura de possibilidades para investigações que ofereçam oportunidades para revisitar conceitos ao longo do tempo, além de incentivar a aplicação e transferência de aprendizagem em diferentes contextos.
Para construção destes temas transdisciplinares de indagação, o foco aborda os desafios internacionais que, ao mesmo tempo, estão interligados das seguintes maneiras de forma cultural, ecológica, política, econômica e tecnológica. Então, as unidades transdisciplinares de indagação são compostas pela ideia central, os conceitos e linhas de investigação. A ideia central é explicitada, pelo documento, como “[...] a lente conceitual primária que enquadra a unidade transdisciplinar de investigação e apoia a compreensão conceitual dos alunos sobre o tema transdisciplinar sob o qual está situado” (IB, 2019, p. 59 – tradução nossa).
Os conceitos são organizados em dois grupos: conceitos-chaves e relacionados. Para o IB, eles “[...] suportam o pensamento de ordem superior e fornecem lentes para considerar o conhecimento relacionado à ideia central de várias maneiras” (IB, 2019, p. 59 – tradução nossa). O papel das linhas de investigação, por outro lado, são as “[...] declarações que definem o escopo potencial de uma investigação” (IB, 2019, p. 59 – tradução nossa). Estes questionamentos projetarão o caminho a ser traçado na aprendizagem dos estudantes.
A avaliação no Primary Years Programme
A avaliação é outro aspecto que ganha importância ao longo do documento. A avaliação deve ocorrer de forma integrada e, para isso, todos os programas do IB são informados sobre os aspectos de como a avaliação deve ocorrer, conforme indicado nos documentos a respeito das abordagens de ensino do IB. A avaliação é um dos pontos centrais do PYP, com o objetivo de dar suporte aos alunos para aquisição de conhecimentos e habilidades específicas e para a compreensão de conceitos e o desenvolvimento de abordagens para o aprendizado.
Para o documento, a avaliação serve também aos estudantes, pois, por meio das informações recebidas da avaliação e da autoavaliação, os estudantes tornam-se aprendizes eficazes e autorregulados, permitindo que reflitam sobre seu progresso, estabeleçam metas para seu aprendizado e se engajem na tomada de decisões (IB, 2019). Os professores tornam-se mais eficazes quando aprendem continuamente sobre o que os alunos sabem e podem fazer. Eles refletem sobre sua prática, ajustam seu ensino com base em dados e oferecem feedback oportuno, específico e bem considerado para melhor apoiar o aprendizado.
As características dessa avaliação efetiva, são a autenticidade; a clareza e a especificidade; a variedade; o desenvolvimento; a colaboração; a interação e o feedback.
Quanto à autenticidade, o documento destaca que essa avaliação permite estabelecer relações entre o mundo real e o que os estudantes estão aprendendo. Podemos considerar, ainda, uma contextualização do uso dos conhecimentos aprendidos em sala, com o mundo exterior.
A clareza e a especificidade dizem respeito às metas de aprendizado desejadas, bem como aos critérios de sucesso e ao processo de que os alunos se valem para aprender. Para isso, a variedade de avaliação se torna essencial. Uma gama mais ampla de ferramentas e estratégias são adequadas ao propósito para construir uma imagem da aprendizagem do aluno, ancorando-se ainda na perspectiva de Gardner (1993) e na teoria das Múltiplas Inteligências abordada em documentos do IB.
O progresso do aluno, individualmente, marca o desenvolvimento. Em avaliações quantitativas, os números que representam as notas e acertos dos estudantes denotam uma média do desenvolvimento coletivo, no entanto, comparam estudantes e não demonstram efetivamente o seu desempenho de forma individual. Neste sentido, as avaliações que demonstram aos estudantes a partir de onde iniciaram e o que alcançaram são incentivadas, enquanto as ranqueadoras são desestimuladas.
As avaliações devem ocorrer de forma colaborativa, envolvendo professores e alunos no desenvolvimento e avaliação do processo. Uma das avaliações citadas elo documento é a autoavaliação, que pode ser utilizada pelos professores como uma forma dos estudantes demonstrarem como se sentem em relação ao seu próprio aprendizado, bem como oferecer um feedback ao professor. O feedback oferece informações sobre o aprendizado atual do aluno para informar ao docente o que é necessário para apoiar a aprendizagem futura. A avaliação interativa engloba diálogos contínuos e dinâmicos sobre aprendizagem.
Desenvolvendo a capacidade de avaliação para apoiar a aprendizagem, todos os membros da comunidade devem conseguir avaliar. Para isso, os membros da comunidade de aprendizagem devem compartilhar um entendimento e uma linguagem para monitorar, documentar e medir aprendizagem, realizando contribuições poderosas para aprender e ensinar. Em uma comunidade de aprendizagem capaz de avaliar, todos têm uma compreensão clara das razões da avaliação, o que está sendo avaliado, os critérios para o sucesso e os métodos pelos quais a avaliação é feita.
Por este motivo, outro aspecto tratado como crucial é o que avaliar. O conteúdo considerado significativo pela escola apoia o resultado de os alunos se tornarem internacionalmente conscientes, tendo como meta principal das escolas IB. Uma vez que o conteúdo é identificado, os professores planejam múltiplas oportunidades para que seus alunos desenvolvam conhecimentos, entendimentos conceituais e habilidades para apoiar a aprendizagem autorregulada. Ao determinar o que avaliar, os professores devem apresentar um amplo grupo de conhecimentos, conceitos e habilidades, devem ser conhecidos pelos alunos no início da pesquisa e devem ser documentados em um dos planejadores do PYP.
A compreensão conceitual e as abordagens para a aprendizagem devem englobar o monitoramento, a documentação e a medição das compreensões conceituais. As habilidades são monitoradas e documentadas para marcar o desenvolvimento do estudante ao longo do tempo. É, portanto, importante que os professores permitam flexibilidade para monitorar e documentar os entendimentos conceituais ao longo do tempo.
A partir deste entendimento, podemos novamente traçar uma aproximação com a teoria idealizada por John Biggs, conhecida como taxonomia SOLO. SOLO tem origem na abreviação do inglês, Structured Observed Learning Outcomes, em uma tradução livre poderíamos chamar de Resultados de Aprendizagem Observados Estruturados. Como citamos anteriormente, esta teoria “se caracteriza por um sistema de categorias que tem como objetivo analisar a estrutura de respostas de alunos, visando a identificar o tipo de pensamento demonstrado” (Mol e Matos, 2019, p; 727). Os autores explicitam ainda, que:
essa taxonomia permite o trabalho com questões/tarefas e respostas. Com as questões, ela pode contribuir na elaboração de itens e na confecção de um instrumento mais equilibrado e articulado com os objetivos educacionais. Também pode ser utilizada para analisar as respostas dadas a tarefas propostas. (Mol e Matos, 2019, p; 727)
Reforça-se então o apoio à aprendizagem autorregulada. Considerando que a avaliação é uma ferramenta poderosa para apoiar a aprendizagem ao longo da vida, os professores devem oferecer oportunidades para os alunos praticarem a autoavaliação e o automonitoramento para que possam internalizar e desenvolver estratégias para ajustar sua aprendizagem. Para o IB (2019), os professores, para alcançarem este objetivo, devem estar atentos ao bem-estar dos alunos para garantir que a autoavaliação promova um senso positivo de agência e autoeficácia, além de fornecer feedbacks oportunos, específicos e frequentes. Desafiar os alunos para que eles possam se autocorrigir e apoiá-los a ver os erros como oportunidades de aprendizado são algumas das outras estratégias citadas.
Dessa maneira, a avaliação é entendida em quatro dimensões: monitorar, documentar, medir e relatar a aprendizagem. As quatro dimensões da avaliação fornecem evidências para informar a aprendizagem e o ensino. Embora as quatro dimensões de avaliação não tenham o mesmo peso, cada dimensão tem sua própria importância e valor.
O monitoramento do aprendizado visa a verificar o progresso do aprendizado em relação às metas pessoais e aos critérios de sucesso. Ela ocorre diariamente por meio de uma variedade de estratégias: observação, questionamento, reflexão, discussão da aprendizagem com colegas e professores e feedback bem pensado para alimentar os próximos passos na aprendizagem.
A documentação da aprendizagem é a compilação de evidências da aprendizagem. Esta documentação pode ser física ou digital e pode ser exibida ou gravada em uma variedade de formas de mídia. A documentação da aprendizagem é compartilhada com outros para tornar a aprendizagem visível e aparente. Ele revela insights sobre o aprendizado e oferece oportunidades para se reconectar com as metas de aprendizado e os critérios de sucesso.
A medição da aprendizagem visa a capturar o que um aluno aprendeu em um determinado espaço de tempo. Nem todo aprendizado pode ou precisa ser medido. As ferramentas de medição podem ser projetadas pela escola, mas cada ferramenta de medição usada fornece dados adicionais para dar suporte a uma imagem maior do desempenho do aluno e do progresso no aprendizado. As formas mais tradicionais de realizar a medição são testes e avaliações padronizadas.
Os relatórios sobre a aprendizagem informam a comunidade de aprendizagem e descrevem o progresso e a realização da aprendizagem dos alunos, identifica áreas de crescimento e contribui para a eficácia do programa. O relatório é talvez o aspecto mais público da avaliação e, portanto, precisa de uma consideração cuidadosa para fornecer informações claras que sejam úteis para alunos e pais.
Para maior clareza de como isso deve ocorrer, o IB (2019) apresenta uma estrutura de auto-auditoria para professores. Essa ferramenta oferece considerações ao projetar a avaliação de conhecimento, entendimentos conceituais e habilidades, tanto individualmente quanto com equipes de planejamento colaborativas, conforme apresentamos no Quadro 4, a seguir:
Quadro 4
Estrutura de auto-auditoria para professores
ENTENDIMENTOS CONCEITUAIS | HABILIDADE | CONHECIMENTO | ||
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O monitoramento da aprendizagem ocorre diariamente por meio de uma variedade de estratégias: observar, questionar, refletir, discutir e aprender com colegas e professores para formar feedback significativo e feedforward para os próximos passos na aprendizagem. | Que entendimentos conceituais estou planejando e monitorando? Como meus alunos saberão o propósito de monitorar a aprendizagem? | Como estou modelando as habilidades que quero que meus alunos desenvolvam? Como estou monitorando as habilidades que quero que meus alunos desenvolvam? | Que conhecimento prévio relevante meus alunos podem já ter? Como planejo descobrir? |
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A documentação da aprendizagem é compartilhada com outros para tornar a aprendizagem visível e aparente. Ele revela insights sobre o aprendizado e oferece oportunidades para se reconectar com as metas de aprendizado e critérios de sucesso. | Como estou documentando o feedback e a reflexão sobre novos entendimentos? Como estou usando essas informações? | Como são e estão meus alunos identificando as conexões para aprenderem? De que maneiras estão meus alunos e eu documentando a habilidade em desenvolvimento? | Como meus alunos e eu identificamos e documentamos sua aprendizagem? |
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A medição da aprendizagem reúne dados pontuais sobre a realização e o progresso. Nem todo aprendizado pode ou precisa ser medido. | Como dei várias oportunidades para meus alunos acessarem, usarem e demonstrarem novos entendimentos? | Como meus alunos podem usar suas habilidades fortalecidas em outros contextos? O que irá apoiá-los a fazê-lo? | Eu tenho fornecido o equilíbrio adequado entre desafio e conhecimento? Como é que eu reconheço este processo? |
Fonte: baseado em IB (2019)
Os alunos nos anos iniciais da escolarização adquirem os principais marcos de aprendizagem que são fundamentais para o desempenho escolar futuro. Isso inclui sua capacidade cognitiva de refletir sobre seus conhecimentos, entendimentos conceituais e habilidades. Dar e receber feedback oferece oportunidades para reflexão e ação. Incentiva o ajuste de aprendizagem, promove a melhoria contínua e celebra o sucesso. Esse feedback pode ocorrer entre professor-aluno, mas também entre estudantes, uma vez que ressalta a importância do aprendizado no contexto de relacionamentos, proporcionando oportunidades para se comunicar e ser ouvido.
Quadro 5
Tipos de avaliação
OBJETIVO | AVALIAÇÃO PARA APRENDIZAGEM | AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM | AVALIAÇÃO COMO APRENDIZAGEM |
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Também conhecida como avaliação formativa. Seu objetivo é informar o ensino e promover a aprendizagem. | Também conhecida como avaliação somativa. Seu objetivo é certificar e relatar o progresso do aprendizado. | Como parte do processo formativo, seu objetivo é apoiar os alunos a aprender a como se tornar um aprendiz ao longo da vida, autorregulando-se. |
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É realizada ao longo do processo de aprendizagem. É iterativa e interativa. | Normalmente é realizada no final de uma unidade, nível de ano ou fase de desenvolvimento ou programa. | É realizada ao longo do processo de aprendizagem. É iterativa e interativa. |
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Envolvimento do aluno; dados quantitativo e qualitativo; artefatos escritos e orais; observações e feedback; questionários; diálogos; conferências; baseado em contexto; informal; indicação de processo; indicação de conhecimento/habilidade. | Envolvimento limitado do aluno; dados quantitativos; testes, exames, padronizados; indicação de habilidades e aquisição de conhecimento ou domínio; com base no julgamento do professor; referenciado por normas ou critérios. | Os alunos são agentes ativos no seu próprio aprendizado e usam
estratégias de metacognição para: • planejar metas de aprendizado • monitorar metas • refletir para modificar o aprendizado e ajustar o aprendizado. |
Fonte: baseado em IB (2019)
A avaliação para a aprendizagem, dentro dos documentos do IB (2019), é centrada no aluno e envolve toda a comunidade de aprendizagem. É guiada por um esforço colaborativo que começa com a avaliação do conhecimento prévio para determinar o que os alunos já sabem e o que são capazes de fazer com mais orientação. Usando dados de pré-avaliação, os professores criam oportunidades para os alunos testarem e revisarem seus modelos e os apoiam para fazer conexões entre suas percepções anteriores e atuais. A avaliação produz evidências da aprendizagem do aluno. Monitorar, documentar e medir continuamente o aprendizado e, em seguida, analisar os dados de avaliação, fornece insights sobre a compreensão, o conhecimento, as habilidades e as disposições dos alunos.
O papel da linguagem mostra-se também essencial ao longo do documento, uma vez que ela é compreendida pelo IB (2019) como fundamental para a necessidade humana de se comunicar. Dentre as linguagens, o documento ressalta as línguas domésticas e familiares, as línguas da escola, línguas adicionais e o desenvolvimento da alfabetização. Assim, entende-se, a partir do documento, que uma cultura de aprendizado de idiomas é fundamental para uma comunidade de aprendizado PYP, pois a linguagem tem o poder de aproximar a comunidade de aprendizagem e superar limites. O multilinguismo surge, então, como um meio pelo qual é possível aprofundarmos nossa compreensão de perspectivas alternativas e alcançarmos outras pessoas no mundo globalizado em que vivemos. Embasado em Cummins (2000), o documento defende que alunos que são multilíngues têm uma capacidade aprimorada de pensar, falar e refletir sobre como os idiomas funcionam. Por meio dessa aprendizagem, os estudantes são capazes não apenas de aperfeiçoar os conhecimentos da língua, mas são capazes de entender de forma mais compreensiva outras culturas e contextos.
O multilinguismo é significativo na construção da mentalidade internacional, pois dá aos alunos uma visão sobre os pensamentos e perspectivas de si e dos outros. A linguagem permite que os alunos coletem e comparem pontos de vista. As habilidades, o conhecimento e a compreensão da linguagem dos alunos desempenham um papel fundamental no desenvolvimento do aluno. Para isso, as práticas de letramento convidam o aluno a novas formas de fazer sentido e explorar o mundo por meio da linguagem. Os multiletramentos envolvem os alunos em diferentes formas de acessar e fazer sentido, incluindo as tecnologias digitais e seu vasto potencial de expressão e audiência.
A cultura escolar pode então ser entendida como uma manifestação das relações, crenças e valores de uma comunidade de aprendizagem. A cultura escolar, juntamente com o currículo definido pela instituição, molda as maneiras como os membros agem e interagem, além de expressar os princípios e valores que sustentam o pensamento.
Cada comunidade de aprendizagem, bem como cada escola vinculada ao IB, possui suas próprias características linguísticas e culturais que devem ser a base para sua política linguística e currículo. Por esta razão, o IB flexiona o currículo de forma a deixar brechas para que cada escola desenvolva sua política linguística escolar respondendo às suas necessidades individuais e respeitando as características histórico-sociais locais.
Para isso, o documento fala em “aprender a língua”, “aprender sobre a língua” e “aprender através da língua”. Apesar da similaridade entre os termos, cada conceito guarda impressões e abordagens completamente diferentes.
Aprender a língua ocorre quando o novo conhecimento é integrado ao conhecimento existente e às estruturas conceituais. Neste sentido, essa etapa diz respeito a efetivamente aprender a se comunicar, utilizar a linguagem dentro de contextos específicos e compreender as características próprias de cada língua, seja ela a língua oficial ou uma língua estrangeira.
Aprender sobre a língua, por outro lado, possibilita aos estudantes irem além da competência linguística e dos usos sociais da língua. Permite que eles a situem histórica e socialmente e possam, a partir disso, compreender as culturas por trás das línguas. Assim, os estudantes são capazes de desenvolver a mentalidade internacional.
O aprender através da linguagem, é sustentado por relacionamentos como um processo recíproco de construção de significado. Os professores apoiam a linguagem na aprendizagem para facilitar o acesso bem-sucedido aos recursos e ideias que os alunos precisam na busca de suas pesquisas. Compreender que a linguagem é importante no acesso ao conhecimento, ideias e formas de pensar nas áreas disciplinares; os professores garantem que os alunos tenham as ferramentas linguísticas apropriadas para aprender. Essa talvez seja a característica que mais distancie as escolas internacionais das escolas bilíngues ou que ofertam disciplinas em língua estrangeira.
Os alunos usam a linguagem de forma mais eficaz, aproveitando todos os seus recursos linguísticos anteriores, suas habilidades e conhecimentos sobre o idioma e o aprendizado de idiomas se beneficiando da consciência das semelhanças e diferenças entre suas línguas. Ao fornecer oportunidades para os alunos fazerem conexões entre suas línguas e se basearem em conhecimentos prévios, o professor facilita o aprendizado efetivo ao mesmo tempo em que afirma a identidade (Cummings, 2000).
Conclusões
Ao longo deste artigo buscamos apresentar um recorte da análise dos documentos norteadores do Primary Years Programme do International Baccalaureate. Hoje, o maior mecanismo de dupla titulação da educação básica, o IB, possui quatro programas distintos, sendo o PYP o programa equivalente aos anos iniciais do ensino fundamental brasileiro.
Neste sentido, buscamos analisar a compreensão de ensino e aprendizagem do programa Primary Years Programme do International Baccalaureate (IB) a partir da análise do documento "Learning and Teaching”, a partir de um olhar para a internacionalização da Educação Básica.
Os dados do documento analisado apontam que os documentos norteadores do IB direcionam o ensino para uma perspectiva transdisciplinar baseada majoritariamente em projetos. Os projetos partem do tema transdisciplinar e são guiados por conceitos. Eles podem ser considerados apenas norteadores, dando flexibilidade para escolas e docentes complementarem e direcionar os projetos para suas áreas do conhecimento e para as realidades locais.
Assim, o aluno deva ser o centro de todo o processo de ensino e aprendizagem desenvolvido. Ao longo das diretrizes, o IB afirma a importância da agência, bem como o professor no papel de motivador, através de feedbacks e de orientações.
Neste sentido, fica clara a relação do currículo do IB como um motor para a construção de projetos e de uma aprendizagem por conceitos, apesar de existir lacunas, que conforme o documento aponta, devem ser construídas por cada escola a partir de suas realidades regionais e nacionais.
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Doutoranda em Educação - Universidade Regional de Blumenau (FURB). E-mail: missvieira@gmail.com ORCID: http://orcid.org/0000-0003-1939-572X↩︎
Doutora em Educação - Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professora e Pesquisadora - Universidade Regional de Blumenau (FURB). Blumenau, SC - Brasil. E-mail: selpamarcia@gmail.com ORCID: http://orcid.org/0000-0002-2299-8065↩︎