Da análise de exemplar autêntico à produção de um protótipo de modelo teórico do gênero campanha comunitária

From the analysis of an authentic material to the production of a prototype of a theoretical model of the gender community campaign

Kathia Alexandra Lara Canizares1

Anise de Abreu Gonçalves D'Orange Ferreira2

Resumo

Nas práticas de ensino e aprendizagem, o uso de gêneros textuais, como por exemplo a “campanha comunitária” pode constituir um eixo norteador para o planejamento de atividades escolares visando ao desenvolvimento de capacidades de linguagem na escrita dos alunos. Portanto, o reconhecimento dos elementos constituintes do gênero é essencial para o ensino. Por esse motivo, o objetivo desta pesquisa é apresentar o processo de construção da modelização do gênero textual campanha comunitária, tendo como base a pesquisa bibliográfica para a discussão e análise de um exemplar autêntico, à luz do quadro teórico-metodológico do Interacionismo Sociodiscursivo e de multissemiose.

Palavras-chave: modelização, interacionismo sociodiscursivo, campanha comunitária, linguística aplicada.

Abstract

In teaching and learning practices, the use of textual genres, such as the "community campaign" can be a guide axis for the planning of school activities aimed at developing language skills in the writing of students. Therefore, the recognition of the constituent elements of gender is essential for teaching. For this reason, the objective of this research is to present the process of constructing the modeling of the textual genre community campaign, based on the bibliographic research for the discussion and analysis of an authentic specimen, in the light of the theoretical-methodological framework of socio-discursive interactionism and multisemiosis.

Keywords: modeling, sociodiscursive interactionism, community campaign, applied linguistics.

Introdução

No quadro teórico-metodológico do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD), os gêneros textuais são instrumentos de ensino e aprendizagem que possibilitam o planejamento de uma série de atividades visando a diferentes objetivos, dentre eles, e em última instância, o desenvolvimento de capacidades de linguagem (Bronckart, 2003; 2006).

A campanha comunitária faz parte do campo jornalístico-mediático e do campo da atuação na vida pública. O documento da Base Nacional Comum Curricular – BNCC (Brasil, 2018) orienta para o desenvolvimento de “um conjunto de habilidades que se relacionam com a análise, discussão, elaboração e desenvolvimento de propostas de ação e de projetos culturais e de intervenção social” (p. 494). Nesse sentido, gêneros textuais podem promover a habilidade relacionada ao desenvolvimento da produção e avaliação de textos multissemióticos adequados às condições de produção e recepção (Brasil, 2018).

Assim, a análise do gênero multissemiótico “campanha comunitária” pode constituir uma ferramenta para projetos culturais na escola. Entende-se por multissemiótico ou multimodal, segundo Leal (2015), que parte da Semiótica Social de Lemke (2010), “o texto com diversos modos semióticos (imagem, infográfico, diagrama etc.) presentes na comunicação humana” (p. 30).

De acordo com os pressupostos metodológicos da Engenharia Didática, Dolz (2016) considera que o trabalho didático do ensino de língua pode ser mediado pelos gêneros textuais como artefatos de ensino. Para isso, é necessário o conhecimento das características do gênero (princípio de legitimidade) por meio da construção do modelo teórico-didático a partir da análise de exemplares autênticos (Dolz, et al., 2010). Após a modelização e transposição didática para a sala de aula (Machado e Cristovão, 2006), consideram-se, na intervenção didática, estratégias diversas que visem à superação de problemas observados na produção de textos dos alunos (Dolz e Schneuwly, 2004).

Dimensionar o que pode ser ensinado e aprendido de um gênero textual, na escola, passa pela construção do modelo teórico-didático (Rojo, 2001). Nessa linha, como isso pode ser realizado, segundo as bases teórico-metodológicas do ISD? Como operam os processos de percepção da estrutura de um gênero que circula nas diferentes esferas da atividade humana? Como é possível fazer essa transposição didática (do exemplar autêntico para o exemplar didático)? Partindo-se da hipótese de que por meio da modelização didática do gênero textual, neste caso, da campanha comunitária, é possível responder esses questionamentos.

No contexto brasileiro, alguns trabalhos que utilizam o gênero campanha comunitária como instrumento de ensino e aprendizagem têm sido desenvolvidas (Nascimento, 2004; Decandio e Nascimento, 2007, Souza, 2017, Silva et. al., 2020), mas ainda faltam informações sobre a semiotização dos elementos constitutivos desse gênero, enquanto multissemiótico ou multimodal, à luz do quadro teórico-metodológico do ISD.

Dessa forma, este estudo tem como finalidade descrever o processo de construção do modelo teórico-didático do gênero textual Campanha Comunitária, visando à instrumentalização do professor, na sua prática de ensino e aprendizagem, para o planejamento de aulas que visem ao desenvolvimento de capacidades de linguagem. Para isso, objetiva-se analisar um exemplar de campanha comunitária observando os elementos constitutivos do gênero pela abordagem do ISD.

Este trabalho está organizado a partir da exposição de alguns tópicos sobre o quadro teórico do ISD que sustentará a modelização do gênero textual. Depois é realizada a análise de um exemplar de campanha comunitária de acordo com a metodologia, para, depois, descrever a modelização. O trabalho é finalizado com a exposição das considerações finais e bibliografia.

Desenvolvimento

O Interacionismo Sociodiscursivo – ISD

Segundo Bronckart (2003), o quadro teórico do ISD considera a ação humana nas suas dimensões sociais (interacionismo social) e discursivas (psicologia da linguagem). Assim, no campo das diferentes formações sociais, a atividade humana pode ser afetada pela necessidade (motivos e finalidade) de instrumentos semióticos (gêneros de discurso). Nessa linha, pelo agir ou ação de linguagem individual, diferentes operações de linguagem, relacionadas às capacidades de linguagem (de ação, discursiva, linguístico discursiva e multissemiótica), são mobilizadas.

As capacidades de linguagem compreendem diferentes operações de linguagem que operam para a produção e compreensão de um texto inserido nas diversas práticas de linguagem, como por exemplo, na prática social publicitária, onde circulam os diferentes gêneros de discurso/texto.

Neste trabalho utiliza-se a expressão gênero de texto para designar o conjunto de formas de realização empírica da linguagem, dialogando com a concepção apontada por Bakhtin e Volochinov (2006). Dessa forma, textos são produtos da atividade humana e ferramentas historicamente construídas pela sociedade, úteis para a satisfação de diferentes necessidades, funcionando conforme a formação social onde circulam. Textos, com características relativamente comuns e estáveis (gêneros de textos), são produtos da organização de um conteúdo referencial articulados com frases regidas por diferentes normas de composição, com mecanismos enunciativos e de textualização que colaboram com a coerência (Bronckart, 2003).

Segundo Bronckart (2003), o procedimento metodológico geral de análise de textos contempla, de acordo com o quadro teórico do ISD, a priori, as condições de produção e a arquitetura interna dos textos. Para o autor, textos são afetados pelas condições externas, ou de contexto, e organizados numa estrutura interna de três estratos de folhados (camadas superpostas): infraestrutura geral, mecanismos de textualização e mecanismos enunciativos. Na Figura 1, são esquematizadas as relações entre as capacidades de linguagem (capacidade de ação, discursiva, linguístico-discursiva e multissemiótica) mobilizadas para a produção do texto.

Figura 1

Síntese dos elementos que constituem o texto empírico e suas relações com as capacidades de linguagem.

Esquematização a partir de Bronckart (2003), Dolz (2015).

Capacidades de linguagem são aptidões requeridas para a produção de um texto (Dolz e Schneuwly, 2004). Segundo Dolz et al. (2004), a adaptação às características do contexto de produção mobiliza a capacidade de ação, enquanto a escolha do modelo discursivo relaciona-se com as capacidades discursivas e o domínio de operações e unidades linguísticas depende das capacidades linguístico-discursivas. Posteriormente, as capacidades multissemióticas foram acrescentadas, relacionadas com os processos de semiotização dessas modalidades (Dolz, 2015).

Com relação às condições de produção do texto, a perspectiva do ISD prevê a análise dos parâmetros da situação de ação de linguagem, independentemente das condições de leitura e de interpretação de textos. A situação de produção evoca a ação de linguagem, externa e interna, influenciando a semiotização do texto empírico (Bronckart, 2003).

Os fatores que afetam a organização dos textos, de acordo com Bronckart (2003), afetados pelos mundos discursivos, físico e sociossubjetivo (normas, valores, regras, imagem do agente sobre si etc.) correspondem ao contexto de produção. Esses fatores são os parâmetros do mundo físico (lugar e momento da produção, emissor e receptor) e os do mundo siciossubjetivo (lugar social, enunciador, destinatário, objetivo da interação). Além disso, as informações explicitadas no conteúdo temático do texto, correspondem aos conhecimentos organizados na memória ou as representações construídas pelo agente produtor do texto.

Com relação à arquitetura interna do texto, de acordo com Bronckart (2003), o 1º folhado (camada interna) corresponde à infraestrutura geral, constituída pelo plano geral (organização do conteúdo), tipos de discurso (segmentos de textos -discurso teórico, narração, discurso interativo, relato interativo-), sequências de textos (organização linear do conteúdo temático -narrativa, descritiva, argumentativa, explicativa, dialogal e injuntiva-) e outras formas de planificação.

No 2º folhado da arquitetura interna (nível intermediário do texto), os mecanismos de textualização são constituídos por séries lineares isotópicas responsáveis pela coerência temática. Inicialmente Bronckart (2003) distingue: conexão e coesão nominal, com relações de dependência ou de co-referencias e a coesão verbal.

No 3º folhado, nível superficial do texto, encontram-se os mecanismos enunciativos que, segundo Bronckart (2003, pp. 130-132), contribuem para a coerência interativa, figuracional, “para o esclarecimento dos posicionamentos enunciativos” (vozes sociais, de autor empírico, de personagem) e “traduzem as diversas avaliações modais” (lógicas, deônticas, apreciativas e pragmáticas).

Entendendo os elementos constitutivos do texto, Schneuwly e Dolz (2004) indicam a elaboração de modelos didáticos de gêneros para “explicitar o conhecimento implícito do gênero, referindo-se aos saberes formulados, tanto no domínio da pesquisa científica quanto pelos profissionais especialistas” (p. 69).

Procedimento e análise do texto de uma campanha comunitária

Anterior à construção do modelo didático do gênero textual é necessário definir os limites que a expressão “campanha comunitária” envolve e a sua abordagem (modelo teórico do gênero) a partir da análise de um exemplar como produto do agir linguageiro real. Segundo Silva et al. (2020) a campanha comunitária é um gênero textual multissemiótico, de forma análoga aos gêneros história em quadrinhos, tirinha, memes, charge, cartum, campanha publicitária, infográfico etc., que no nível composicional é resultado da junção de diferentes semioses (palavras, figuras, imagens, ângulos, fontes, tipografia etc.), para gerar um determinado efeito de sentido que afete um determinado comportamento social (Souza, 2017). Sendo um gênero da área publicitária não comercial, a campanha comunitária pode “exercer efeito sobre a formação da opinião, alavancando, por conseguinte, a modificação nas atitudes e no comportamento do público-alvo” (p. 213) com o intuito de persuadir os leitores a aderir a uma causa social. As várias semioses da campanha conjugam-se intimamente como recursos imagéticos para reafirmar a mensagem veiculada.

Neste trabalho, o procedimento de análise da campanha comunitária segue a proposta de Bronckart (2003) que perpassa por quatro fases sucessivas. Na primeira, durante a leitura inicial, observam-se informações que incidem sobre três conjuntos: da ordem semântica (contexto imediato e conteúdo referencial); da ordem léxico-gramatical (escolha de unidades de conteúdo); da ordem paralinguística (unidades paratextuais ou semióticas não verbais) e supratextuais (título, letras etc.).

Na segunda fase, contempla-se o recorte e delimitação intuitiva de segmentos pertencentes a um mesmo tipo de discurso. Na terceira fase, analisam-se os tipos de discurso e as categorias de estruturas linguísticas, densidade verbal, sintagmática e as suas ocorrências para validar o estatuto discursivo delimitado no recorte da fase anterior. Na quarta fase, realiza-se a análise qualitativa dos segmentos de tipos de discursos (Bronckart, 2003).

Após análise do exemplar de texto de uma campanha comunitária, a apresentação dos resultados da análise segue o esquema dos folhados, conforme Bronckart (2003, pp. 80-83). Assim, dentre do conjunto de exemplares do intertexto, neste trabalho, é feita a análise de um texto real auxiliada pelas observações de outras pesquisas, para orientar a construção do modelo didático. Dessa forma, a partir do texto empírico selecionado são descritas as dimensões do gênero textual: situação de comunicação; arquitetura interna do texto; dimensão paralinguística e supratextual.

Na situação de comunicação é relatado o contexto físico e sociossubjetivo de produção da campanha comunitária intitulada “Contra o Coronavírus”. A arquitetura interna detalha a infraestrutura, os mecanismos de textualização e os enunciativos. Na dimensão paralinguística e supratextual descrevem-se os elementos não verbais.

Situação de comunicação do texto da campanha comunitária “Contra o Coronavírus”

“Contra o Coronavírus” é uma campanha comunitária de intervenção social, cuja ação de linguagem escrita pode ser resumida assim: em 2021, frente à pandemia pelo causada pela doença Covid-19 (momento de produção), profissionais da publicidade (emissor) da Secretaria de Justiça e Cidadania do governo do Estado de São Paulo (agente produtor), produziram uma campanha comunitária visando à reflexão com o intuito de persuadir (objetivo da interação) pessoas (receptor), cidadãos paulistas (destinatários), para usarem máscaras em espaços públicos (conteúdo temático).

A dimensão sócio-histórica, cultural e ideológica situa a campanha comunitária “Contra o coronavírus”, no contexto de uma política pública de saúde estadual, que, amparados no princípio da informação e no discurso persuasivo, tenta promover uma conscientização sobre a importância de alguns cuidados como mecanismos preventivos contra a doença Covid-19. O cartaz da campanha comunitária circulou no campo midiático e foi vinculado ao site oficial (suporte de circulação) da Secretaria da Justiça e Cidadania do Governo do Estado de São Paulo.

Arquitetura interna do texto da campanha comunitária “Contra o Coronavírus”

Para a produção textual, o delineamento da infraestrutura do texto orienta a formatação do plano geral, da imagem, do tipo de discurso e da sequencialidade da campanha. Pelo plano geral organiza-se o conteúdo temático. Assim, com relação ao plano geral do texto, na figura 2, é possível observar elementos da linguagem verbal: assinatura (Secretaria da justiça e cidadania); título curto, objetivo e simples (“contra o coronavírus!”); slogan (“Cuidando de Você e do Outro, Venceremos A Covid-19”); frase imperativa (“Salvem Vidas, Usem Máscaras”); texto explicativo com valor de exemplificação dentro de um processo argumentativo (“Usar máscara é sinal de cuidado e proteção. Com o uso de máscara, protegemos a nós e todos a nossa volta.” Bruno Fedri, coordenador do CRAVI (Centro de Referência de Apoio à Vítima), se curou da Covid-19”); frase imperativa (“protejam-se!”); logomarca (Governo do Estado de São Paulo) e frase declarativa acompanhada de um símbolo de cerquilha (“#VAIPASSAR”). Além disso, a fonte das informações referenciadas (“Secretaria de Saúde. Organização Mundial de Saúde (OMS) e Ministério de Saúde da Fundação CASA.

Figura 2

Layout do plano geral do texto da campanha “Contra o coronavírus”.

Dos elementos não verbais, a priori, destacam-se: fotografia (homem utilizando máscara preta) e imagens explicativas acompanhadas de linguagem verbal (“Lave as mãos”, “Ao tossir, cubra o rosto” e “Mantenha distância de 1,5m”). O tipo de discurso misto interativo-teórico obedece à necessidade de o agente-produtor do texto considerar o destinatário para mobilizar argumentos que propiciem efeitos persuasivo sobre o uso de máscaras. Nesse sentido, podem ser observadas pistas de interatividade (implicação) nos segmentos de discurso: “Cuidando de você e do outro, venceremos a Covid-19”; “Salvem vidas, usem máscaras”; “(...). Com o uso de máscara, protegemos a nós a todos a nossa volta”. Ao mesmo tempo, o discurso teórico por meio das frases declarativas e autônomas, como por exemplo: “Usar máscara é sinal de cuidado e proteção”, “Vai passar”.

Segmentos de sequências textuais injuntivas (“Salvem vidas, usem máscaras”; “protejam-se”; “Lave as mãos”; “Ao tossir, cubra o rosto”; mantenha distância de 1,5m”) estão intercaladas com as sequências argumentativas, com unidades linguísticas explícitas e implícitas. Por exemplo, Todos “Contra o coronavírus” usando máscaras, lavando as mãos e mantendo distância; “cuidando de você e do outro” podemos vencer a Covid-19; “Usar máscara é sinal de cuidado e proteção”, dessa forma “com o uso de máscara, protegeremos a nós e todos a nossa volta”; A Covid-19 “vai passar”.

As justificativas que dão suporte às sequências argumentativas utilizam-se, principalmente, da estratégia de exemplificação com imagens e frases imperativas. Assim, “Salvem vidas, usem máscaras”, reforça um dos objetivos da campanha: fazer que o destinatário use máscara. As outras formas de planificação são as enumerações por meio da linguagem não verbal e as sequências textuais injuntivas (soluções) que constituem o caminho para tratar o problema (Coronavírus).

A coesão verbal articula-se por meio dos verbos situados no modo Indicativo (“venceremos”, “é”, “protegemos”, “vai”, “curou”) e nos modos nominais Infinitivo (“usar”, “tossir”), Gerúndio (“cuidando”) e Imperativo (“salvem”, “usem”, “protejam-se”, “lave”, “cubra”, “mantenha”). Porém, observa-se também uma mudança do destinatário, alterando o singular com o plural. Começa com “você”, passa para o plural (“salvem”, “usem”, “protejam-se”) e retorna ao singular (“lave”, “cubra”, “mantenha”). Essa estratégia pode promover um possível efeito para tornar singular (você = individual) o plural (vocês = coletivo).

Com relação aos mecanismos de textualização, a progressão do texto se dá por mecanismos de conexão elípticos, por exemplo, a relação de consequência pode ser depreendida em “cuidando de você e do outro, venceremos a Covid-19”. Em “Salvem vidas, usem máscaras”, pode ser entendido como usar máscaras para salvar vidas (relação de finalidade), ou usar máscaras porque salvam vidas (relação explicativa). Da mesma forma, “Usar máscaras é sinal de cuidado e proteção”, pois “com o uso de máscara, protegemos a nós e todos a nossa volta” (relação explicativa).

A coesão nominal expressa-se em torno da unidade temática. Todos os elementos do texto, em linguagem verbal e não verbal pairam sobre ações para evitar a doença causada pelo coronavírus. Logo após do título, aparece o pronome você e a elipse do nós (representado por Ø) (“Cuidando de você e do outro, Ø venceremos a Covid-19”. Além disso, em Ø #Vai passar subentende-se que se refere à doença causada pelo Coronavírus.

Os mecanismos enunciativos organizam-se, por um lado, por meio das vozes explícitas e implícitas na campanha. As instituições sociais “Secretaria da Justiça e Cidadania”, “Secretaria de Saúde”, “Mundial da Saúde (OMS)”, “Ministério da Saúde”, “Superintendência de Saúde da Fundação CASA” e “Governo do Estado de São Paulo”, junto à personagem “Bruno Fedri, coordenador do CRAM” - (Centro de Referência de Apoio à Mulher) compartilham a responsabilidade do dizer, da mensagem da Campanha. Nota-se, ainda, que o testemunho de Bruno Fedri concretiza o benefício do uso da máscara, visto que ele esteve com a doença (implicado na expressão “se curou”), pressupondo ter protegido a pessoas que estavam na sua volta. Por outro lado, as modalizações pragmáticas “Vai passar” e das modalizações de enunciado por meio das formas imperativas (“salvem”, “usem”, “lave” etc.) que são evidências de implicação do agente-produtor da campanha e de seus destinatários.

Dimensão paralinguística (não verbal) e supratextual do texto da campanha comunitária “Contra o coronavírus”

Quanto à dimensão paralinguística (não verbal), as unidades paratextuais de imagens foram representativas de usar máscara, lavar as mãos, cobrir o rosto e distanciamento. Assume-se que, dentre os elementos gráficos, a imagem localizada na linha central do cartaz corresponde a um rosto masculino com a máscara preta, e por sua vez, relaciona-se com a inscrição “Bruno Fedri, coordenador do CRAM” que assume a sua voz por meio de uma mensagem verbal. As outras imagens, em menor tamanho, apresentam traços das cores quentes vermelho, azul e verde, e estão localizadas no terço inferior do cartaz dentro de círculos amarelos. Essas imagens são portadoras do conteúdo temático da campanha. A escolha das imagens pressupõe um destinatário jovem-adulto.

Nos procedimentos supratextuais da campanha comunitária, observa-se a padronização tipográfica por meio do formato da letra (caixa alta) no primeiro terço do texto é interrompida pelo formato maiúscula/minúscula que aparece nos exemplos. O uso da cor escura associado ao perigo que representa a doença. O título da campanha (“Contra o Coronavírus”) centralizado e em tamanho maior sintetiza a mensagem da Campanha. Desde o ponto de vista topográfico, o tamanho das letras, em caixa alta, vai diminuindo de cima para baixo, mas finaliza com um aumento (“#VAIPASSAR”), em negrito. Após o título da campanha, destaca-se a expressão “Salvem vidas, usem máscaras!”, em caixa alta e negrito, com fundo cinza claro, apontando a resposta para O que fazer “Contra o coronavírus”! (fundo escuro).

A integração dos elementos linguísticos (verbal) e paralinguísticos (não verbal) contribuem simultaneamente para a construção dos sentidos, no que tange à identificação de um problema (coronavírus) e das medidas que devem ser tomadas para salvar vidas: usar máscaras, lavar as mãos, cobrir o rosto ao tossir e manter distância. As imagens são argumentos para a tese defendida. Dessa forma, com o testemunho de “Bruno”, pode ser deduzido que o uso de máscara protegeu as pessoas que estava a sua volta. Assim todas as partes participam do processo argumentativo e orientam a leitura para a compreensão da mensagem. Destaque-se a forma imperativa (salvem, usem, protejam-se, lave, cubra, mantenha) corroboram o efeito persuasivo da campanha, sendo este o objetivo final da interação.

Modelização didática do gênero textual campanha comunitária

Os chamados textos publicitários (folheto, cartaz, anúncio) ocorrem em diferentes práticas sociais. Dentre os mais variados gêneros textuais da ordem do discurso da publicidade, encontram-se: o anúncio institucional de campanha comunitária ou campanha social (Decândio e Nascimento, 2007), a campanha publicitária, o anúncio publicitário, a propaganda etc. Para Braga e Casagrande (2015), o texto publicitário “propõe levar o receptor a ações como compra, adesão política, religiosa, entre outras” por meio de estratégias persuasivas. Os gêneros de textos publicitários, segundo Gonzales (2003), apresentam alguns elementos relativamente estáveis, tais como signos verbais e não verbais. Expressão de comunicação pública em um só sentido, informativo e persuasivo.

Desde o século XIX, textos publicitários são utilizados como instrumentos mediadores da atividade humana e viabilizam a promoção do consumo de produtos, serviços e ideias. Nesse contexto, segundo Silva (2015), esses textos requerem o uso de estratégias argumentativas peculiares que influenciam o comportamento do possível consumidor.

Para Vieira (2014), a propaganda abrange ideias, opiniões e/ou doutrinas; enquanto a publicidade se atém ao anúncio de produtos e serviços. Nesse sentido, inicialmente, poderia ser considerada a campanha publicitária em ambos os campos, porém, a expressão campanha comunitária é utilizada, neste trabalho, para definir o gênero textual que, circulando na prática social publicitária, com a finalidade de promover uma ideia, uma ação, sem o objetivo do lucro. Definição análoga ao anúncio de propaganda, apontado por Silva (2015). Acrescenta-se que, como um gênero textual da ordem publicitária, social ou educacional (Souza, 2017), possui um “papel de agente transformador, tanto na conduta como na construção de valores e opiniões” (Braga e Casagrande, 2015, p. 533).

Na BNCC (Brasil, 2018, p. 512), a campanha publicitária pode ser instrumento que permeie atividades para desenvolver a habilidade que propõe a análise de “formas contemporâneas de publicidade em contexto digital”, explicando os “efeitos de sentido” provocados pela escolha de elementos linguísticos e imagéticos para proceder a uma avaliação crítica dessas textualidades. Nesse documento, a campanha comunitária pode ser localizada tanto no Campo da Vida Pessoal, quanto no Campo Jornalístico-Midiático. Neste:

Trata-se de ampliar as possibilidades de participação dos jovens nas práticas relativas ao trato com a informação e opinião, as quais estão no centro da esfera jornalística/ midiática. Para além de consolidar habilidades envolvidas na escuta, leitura e produção de textos que circulam no campo, o que se pretende é propiciar experiências que mantenham os jovens interessados pelos fatos que acontecem na sua comunidade, na sua cidade e no mundo e que afetam as vidas das pessoas (Brasil, 2018, p. 98).

Assim, a campanha comunitária é um gênero textual multissemiótico, no qual, o enunciador objetiva informar, orientar e, principalmente, persuadir destinatários para aderir à proposta enunciada. O agente-produtor da campanha mobiliza, concomitantemente, elementos linguísticos e imagéticos, articulando-os a processos argumentativos, para promover o efeito de sentido desejado. Nessa linha, na esfera escolar, o aluno-emissor, ao semiotizar a campanha, projeta uma mensagem para produzir um efeito de sentido na comunidade escolar-receptora.

Dessa forma, o gênero textual vem a ser um instrumento didático de ensino e aprendizagem, e para essa finalidade, o reconhecimento das dimensões do gênero, assim como a percepção de que produzir um texto são mobilizadas as capacidades de linguagem, tais como: a) capacidade de ação (adaptar-se ao contexto e referentes e atualizar conhecimentos que orientam a construção de sentidos); b) capacidade discursiva (utilizar modelos discursivos); c) capacidade linguístico-discursiva (dominar operações psicolinguísticas e unidades linguísticas) e d) capacidade multissemiótica (ancorar as diferentes modalidades). Com isso, o professor pode tomar uma série de decisões em função dos objetivos escolares e das necessidades dos alunos.

A modelização didática do gênero campanha publicitária está organizada e sintetizada nos Quadros 1 e 2.

Quadro 1

Modelização do gênero textual campanha comunitária: situação de comunicação

Situação da comunicação
Contexto de produção e de recepção

Parâmetros do mundo físico

Lugar de produção: espaço midiático (ciberespaço), lugar físico em agências de publicidade, sala de aula, pátio escolar.

Momento de produção: atendimento a uma necessidade comunicativa social.

Emissor (produtor, locutor): pessoa física ou jurídica anunciante, na modalidade escrita ou oral.

Receptor: Pessoa anônima, podendo ser infantil, adolescente, adulto ou idoso.

Capacidade de ação

Parâmetros do mundo sociossubjetivo

Lugar social: formação social do campo jornalístico-midiático.

Agente-Produtor (enunciador): autor anunciante publicitário de assinatura individual ou de uma empresa ou instituição, pública ou particular. Na escola, é o aluno.

Destinatários: Leitor ou público universal anônimo. Na escola, são os membros da comunidade escolar.

Objetivo da interação: Informar e persuadir para criar a necessidade de aderir a uma ideia (ideologia) ou adquirir uma prática (comportamento). Intervenção social.

Conteúdo temático Multirreferencial da ordem social, político, cultural saúde, educação, arte, ambiental, policial, segurança etc. Histórica. Social. Cultural. Ideológica.
Suporte de circulação Midiático (televisão, rádio, redes sociais etc.); hipertexto (sites, blogs etc.); jornalismo (jornais, revistas); espaço urbano (outdoor, luminosos, faixas etc.), formato impresso (cartazes, folhetos encarte, folder etc.). Outros suportes: ponto de ônibus, estação de metrô, pontes, ônibus etc.

No Quadro 1, pode ser observado que a mobilização de todos os aspectos relacionados à situação de comunicação, semiotizados no texto, promove o desenvolvimento da capacidade de ação. Com relação ao contexto de produção e de recepção do gênero campanha comunitária, pode ser percebido que o agente-produtor é sempre afetado pelo mundo físico e sociossubjetivo. Nessa linha, o lugar e o momento físico de produção relacionam-se com os espaços onde as campanhas são produzidas, seja em meios virtuais (ciberespaço) ou físicos, como por exemplo, salas de agência de publicidade, ou na escola. Emissores e receptores podem ser pessoas físicas e/ou jurídicas que participam da produção e da recepção, respectivamente.

Na campanha comunitária, enunciadores (profissionais da publicidade ou alunos) fazem uso de uma série de estratégias para que os destinatários, geralmente, leitores públicos anônimos, grupos que compartilham características geográficas, demográficas e psicológicas (Paz, 2002), sejam persuadidos com o objetivo de aderir a uma ideia ou adquirir uma prática. Quanto à formação social onde circula o gênero, a campanha comunitária pode estar inserida em diferentes práticas sociais, como por exemplo, no campo jornalístico-mediático (publicidade) e ainda na esfera escolar (livros didáticos).

O objetivo da interação contempla as dimensões histórica, social, cultural e ideológica e situa a campanha comunitária num momento histórico-ideológico de produção afetado pelo entorno sociocultural da época. Geralmente, a campanha comunitária não tem uma finalidade mercadológica e sim um objetivo vinculado a um benefício de uma comunidade. Na escola, ao serem desenvolvidas atividades para a produção de campanhas comunitárias, o professor também está promovendo o desenvolvimento da capacidade de significação.

A semiotização do conteúdo temático abrange as capacidades cognitivas (inconsciente) e metacognitivas (consciente) Kleiman (2002), que promovem a construção de sentido a partir das representações que os agentes do discurso (produtor e destinatário, nas atividades praxiológicas) têm sobre as práticas sociais, relacionadas ao contexto ideológico, histórico, sociocultural, econômico, político etc., em interação com os conteúdos temáticos e atividades de linguagem. Essa capacidade tem sido apresentada como uma dimensão desvinculada da ação (Cristovão e Stutz (2011) dominam-na de capacidade de significação).

O conteúdo temático das campanhas comunitárias contempla temas de diferentes áreas do conhecimento (social, político, cultural, saúde, educação, artística etc.) são desenvolvidos nas campanhas comunitárias e são veiculadas, em suportes de circulação diversos, meios midiáticos (televisão, rádio, redes sociais, sites), jornalísticos (jornais e revistas), no âmbito escolar (livros didáticos), no espaço urbano (ponto de ônibus, outdoor, pontes etc.), em formatos diversos (folhetos, cartazes, banner, etc.).

Os elementos, ou categorias, que constituem a dimensão da arquitetura interna do gênero campanha comunitária, isto é, infraestrutura, mecanismos de textualização e mecanismos enunciativos são sintetizados no Quadro 2.

Quadro 2Arquitetura interna do gênero textual campanha comunitária:

Arquitetura interna do texto
Infraestrutura

Capacidade discursiva

Plano geral do texto Título/cabeçalho, texto verbal, slogan (frase curta e de fácil memorização), assinatura (nome do produto ou serviço do anunciante), texto não verbal (imagem, foto...).
Tipos de discurso Discurso misto interativo-teórico; do mundo discursivo da ordem do EXPOR, implicado e conjunto.
Sequências textuais e

Sequência injuntiva, pois o agente produtor visa fazer agir o destinatário em uma direção, articulada por fusão à sequência argumentativa (icónica-linguística) para convencer (persuasão por meio de argumentos e contra-argumentos).

Articulação por encaixamento de segmentos de sequência explicativa (para apresentar propriedades do objeto) e descritiva para fazer ver (frases com fase de ancoragem-tema; de aspectualização-propriedades; de relacionamento).

Outras formas de planificação Esquematizações da lógica natural, por meio de enumerações e regras, vinculadas à duplicidade de sentidos (ambiguidade e polissemia).
Coesão verbal Tempos que exprimem valor de simultaneidade (presente gnômico), anterioridade (passado composto) e posterioridade (futuro perifrástico). Unidades de espaço (ostensivos/pronomes demonstrativos; dêiticos espaciais e temporais). Alta densidade verbal. Frases imperativas (modo imperativo ou infinitivo), flexionados na 2ª pessoa do singular (para individualizar o receptor) ou plural (universal).

Mecanismos de textualização

Capacidade linguístico-discursiva

Conexão Escala de operadores lógico-argumentativos (até, inclusive, aliás, já, também, mas etc.). Articuladores que marcam a progressão temática (organizadores textuais) em transições entre tipos de discurso, sequências e frases sintáticas.
Coesão nominal Cadeia anafórica pronominal. Referenciação dêitica intertextual e intratextual. Pronomes e adjetivos de segunda pessoa. Pronome com valor dêitico e função sujeito “a gente”. Linguagem concisa.

Mecanismos enunciativos

Vozes Vozes de personagens, voz do autor do texto e vozes sociais citadas por meio de mecanismos de intertextualidade.
Modalizações Modalizações pragmáticas (poder) e presença de auxiliares de modo (querer, dever, ser preciso. Modalizações lógicas (verdades autônomas, com certeza, certamente etc.). Modalidade de enunciado (implicando emissor e receptor com frases interrogativas, imperativas e exclamativas.
Dimensão paralinguística ou não verbal (Dolz, 2015)
Unidades paratextuais

Modalidade de articulação com o texto das semioses não verbais: código fotográfico ou figurativo (fotografias, quadros, imagens, ilustrações, esquemas, ícones, símbolos, desenhos, diagramas, encarte).

Construção de sentidos na interfase (co-texto) e ancoragem verbal/não verbal (icónica-linguística), em processos de estratégia argumentativa, por meio de: organização interacional; intertextualidade; trocadilhos; utilização de estereótipos (padrões imagéticos); criação de inimigos imaginários (metáfora visual, metonímia, hipérbole, alegoria etc.); apelo à imagem de autoridade (especialistas).

Capacidade multissemiótica

Procedimentos supratextuais Código tipográfico: aspas, negrito, itálico, formatação de página, títulos, subtítulos, paragrafação, tipos/tamanho/cor de letra. Código cromático: cores (organizador textual).

No Quadro (2), pode ser observado que o plano geral do texto do gênero campanha comunitária, em termos genéricos, de acordo com Ramalho (2010), é composto por linguagem verbal e não verbal (multissemiótico), apresentando imagem ou fotografias, título ou cabeçalho, slogan e assinatura do agente-produtor. A estrutura do título, geralmente em letras maiores, é apresentada com frases curtas, simples e de efeito. Algumas campanhas comunitárias podem apresentar subtítulo.

Por um lado, os elementos gráficos e linguísticos que identificam o agente-produtor e/ou a instituição social responsável pelo discurso da campanha deve estar explícito, mas não pode ocupar um lugar de destaque, pois, nesse gênero, o mais importante são os recursos persuasivos (Nascimento, 2004). Por outro lado, a produção da campanha comunitária exige do agente-produtor o reconhecimento das características do destinatário, para realizar escolhas: como se apresentar; imagens e linguagem conforme o letramento, idade, condição socioeconômica; objetivo da interação; proposição de ações por parte da comunidade.

Na escola, para que os alunos se engajem num projeto de produção de campanha comunitária, é necessário apresentar o plano geral do texto e desafiá-los para reconhecerem como o tema é organizado, visualizando a linguagem simples e objetiva utilizada para persuadir o destinatário e convencê-lo a realizar o que se propõe com a interação linguageira.

Na campanha comunitária, a organização linguística do tipo de discurso corresponde ao estatuto misto (Bronckart, 2003), visto que a semiotização desse gênero decorre das restrições do agente-produtor que, por um lado, deve apresentar informações verdadeiras (discurso teórico) e por outro, na ausência do contato direto com o destinatário, precisa levar em conta esse receptor (discurso interativo monologado) para procurar a sua aprovação e conseguir persuadi-lo.

A coesão verbal (temporalidade, aspectualidade, modalidade) para estabelecer relações de continuidade ou de ruptura no conteúdo temático da campanha. O gênero textual campanha comunitária apresenta segmentos de sequências textuais injuntiva e argumentativa. Por um lado, segundo Bronckart (2003), as sequências sustentadas pelo objetivo de “fazer agir” o destinatário, em uma determinada direção, mobiliza formas verbais no modo imperativo ou no infinitivo, admitindo a existência, então de uma sequência injuntiva. Por outro, o segmento de sequência argumentativa implica na existência de uma tese admitida a respeito de um tema (fase de premissas), que será corroborada com propostos, objetos de inferência (fase de argumentos e de contra-argumentos), orientando a sequência para uma conclusão (fase de conclusão). Nesse movimento argumentativo, os elementos constituintes da campanha comunitária (verbal e não verbal) fazem parte desse processo de inferência com justificações e restrições. Sequências textuais injuntivas intercaladas com as argumentativas, estruturam-se num jogo de imagens estratégico que demonstra a intenção para, assim, poder manipular o destinatário. Nesse sentido, é importante frisar para o aluno que a campanha comunitária tem uma função social.

Além disso, na campanha comunitária, também, podem ser apresentadas as propriedades dos objetos ou conteúdo temático fazendo uso de sequências explicativas (constatação inicial, problematização, resolução e conclusão-avaliação) e, até mesmo, por meio de esquematizações (enumerações). E, pela necessidade de “fazer ver”, é mobilizada a sequência descritiva (após o tema-título, a enumeração das partes do conteúdo temático da campanha comunitária relaciona-se com as propriedades de aspectualização ou de relacionamento, atribuídas ao conteúdo, que podem ser hierarquizadas ou não).

A coerência geral do um texto dá-se pelos mecanismos de textualização e enunciativos. Na campanha publicitária, os mecanismos de textualização são articulados à progressão do conteúdo temático (assunto), por meio de cadeias linguísticas de conexão (operadores lógico-argumentativos e organizadores textuais, que participam do processo de persuasão) e de coesão nominal (pronomes e adjetivos).

Os mecanismos de textualização organizam-se em planos: de microssintaxe (estrutura interna da frase sintática, por meio do sintagma verbal: sujeito e complemento); da macrossintaxe (funcionamento de sintagma nominal, estatuto intermediário, em relação com outra unidade sintática gráfica) e de regras de organização de conexão.

Os elementos linguísticos que imprimem a coesão verbal são implicados pelos parâmetros do ato de produção e duração do ato de produção. Na campanha comunitária, a localização pode ser de valor neutro, com abordagem da temporalidade (momento de fala/produção e do processo), preferencialmente, no presente (simultaneidade/isocrônica), com segmentos no passado (anterioridade/retroativa) e/ou no futuro (posterioridade/projetiva). O grau de realização verbal pode ser inconcluso (imperfeito) e concluso (passado e futuro composto).

A abordagem da aspectualidade verbal, isto é, dos tipos de processo (significado/significante do lexema verbal, a coesão verbal considera os processos estáveis (de estado, p. ex. saber/ser); dinâmicos que implicam duração e não resultado (de atividade, p. ex. escrever); dinâmicos, durativos e resultativos (de realização, p. ex. correr); dinâmicos, não durativos e resultativos (de acabamento, p. ex. cair).

O texto da campanha organiza-se em processos argumentativos com o intuito de apresentar justificativas. Os recursos de argumentação são reforçados por operadores argumentativos que podem aparecer implícitos, ou explícitos, para reforçar, ou justificar, a necessidade de agir conforme o agente-produtor deseja, por meio de uma seleção lexical e de imagens, alcançar o objetivo de fomentar uma ação no destinatário, em prol de uma causa (tese).

Na campanha comunitária, apresentam-se tanto as marcas de mecanismos de conexão de segmentação, no nível global, quanto as de balizamento e de empacotamento de ligação (justaposição, coordenação) e de encaixamento (subordinação). Os posicionamentos enunciativos da campanha comunitária são expressos pelos mecanismos enunciativos, por meio do gerenciamento de vozes e modalizações que orientam a interpretação do enunciado. Na campanha, por um lado, as vozes sociais são comumente explícitas junto a vozes de personagens, que podem ser utilizadas nas exemplificações das justificativas que sustentam os argumentos para a defesa de uma opinião ou tese. Por outro lado, as vozes de personagens implicados (internas ao texto) compartilham a enunciação com as vozes sociais externas (não agentes) e com as do agente-produtor do texto e, por processos de intertextualidade e interdiscursividade, é possível mobilizar vozes sociais.

As modalizações que representam os valores de capacidade de ação de querer, dever, poder (modalizações pragmáticas) e valores das verdades autônomas (modalizações lógicas) podem ser explicitadas no texto. Nos textos publicitários, a modalidade de enunciado com frases não declarativas, exclamativas, imperativas e interrogativas são frequentes, pois objetiva-se a implicação da relação entre emissor e receptor.

As marcas linguísticas de estilo, por meio dos mecanismos enunciativos, no processo da construção da intencionalidade contribuem para a interpretação do conteúdo temático e, nas campanhas comunitárias, podem ser da ordem pragmática (capacidade de ação, p. ex. querer, poder, auxiliares querer/dever/ser necessário/poder e auxiliares de modo); lógica (do possível provável, modo condicional, orações impessoais, p. ex. é provável que, admite-se que, sem dúvida que) e de enunciado (implicação emissor-receptor com frases interrogativas, exclamativas e imperativas).

Alguns elementos da dimensão paralinguística ou não verbal dos gêneros multissemióticos são descritos por Bronckart (2003), Dolz (2015), Cristovão e Stutz (2011). Nesse sentido, segundo Schneuwly (2004), gêneros textuais são configurações estabilizadas de “vários subsistemas semióticos (sobretudo linguísticos, mas também paralinguísticos), permitindo agir eficazmente numa classe bem definida de situações de comunicação” (p. 25).

Para a estruturação paralinguística da campanha, operações relacionadas à escolha de elementos não verbais que dialoguem estreitamente com os elementos linguísticos e contribuam para alcançar a finalidade da campanha. Segundo Silva et al., (2015) e Mendonça, (2019), a escolha dos recursos imagéticos é norteada pelo objetivo da persuasão. Assim, para a produção de uma campanha, podem ser realizadas ações para aumentar o índice de atenção, induzir à leitura do texto, demonstrar ou reforçar afirmações feitas no texto, utilizando-se de padrões estereotipados, metáforas visuais e apelo à imagem de autoridade (especialistas).

Nessa linha, Paz (2002) aponta como recurso de destaque, questões gramaticais, como por exemplo, variações linguísticas (mais ou menos formal), estrangeirismos, jogos ortográficos e fonológicos (trocadilhos, aliteração, paronomásia), morfológicos (afixos, abreviações), sintáticos (recursos estilísticos), semânticos (polissemia, ambiguidade).

De acordo com Pinto (2010), os elementos não verbais, como por exemplo, as cores e a topografia, podem delimitar, segmentar e organizar o texto e isolar o argumento, a tese, as justificativas, com funções argumentativas distintas. Para Bueno et al. (2020), a Semiótica Sociointeracional (SS) (Leal, 2011), dialoga com a Gramática do Design Visual (GDV) e o ISD na análise de textos multissemióticos, apresentando formas de construção de significados a partir da interação dos elementos verbais e não verbais para atender a função comunicativa do gênero. Nesse sentido, a linguagem não verbal pode ser analisada segundo a organização interacional contextual (produtor/leitor) e co-textual (elementos internos do texto) (Leal, 2011).

Segundo Paz (2002), ilustrações podem ser suficientes para conseguir os objetivos da interação, em outras ocasiões, são necessárias imagens para propiciar um efeito de sentido determinado. Nessa linha, os alunos devem perceber a importância das imagens na hora da produção e na recepção das campanhas.

Com relação à prática de ensino de gêneros textuais, na escola, Dolz e Schneuwly (2004) apresentaram algumas operações de linguagem visando à exemplificação de uma progressão de ensino utilizando gêneros textuais como instrumentos. Dessa proposta, podem ser sugeridas algumas operações de linguagem que podem ser mobilizadas na produção escrita da campanha comunitária. Assim, quanto à representação do contexto social tem-se: identificar o produtor e receptores múltiplos e seus papéis sociais; identificar a intenção/finalidade/objetivo do texto; localizar tempo e espaço da produção; discernir posições defendidas no texto e antecipar-se a posições contrárias; compreender crenças evidenciadas no texto; identificar citações da palavra alheia.

Quanto à estruturação discursiva e escolhas de unidades linguísticas para a recepção e produção da campanha comunitária: perceber as diferenças entre pontos de vista diferentes; hierarquizar, desenvolver e ligar processos argumentativos; atender a diagramação do plano de texto; identificar/apresentar o tema da campanha; apreender e usar estratégias diferentes de argumentação, p. ex. sustentando-os com exemplos; definir e delimitar a tese em função do tema; identificar/elaborar argumentos e contra-argumentos; reconstruir os raciocínios implícitos; formular título com grupo nominal; utilizar verbos declarativos, neutros, apreciativos, depreciativos; identificar o papel argumentativo de conectivos; implicar o receptor com dêiticos (eu, tu, nós); escolher marcas de modalidade; reconhecer responsabilização enunciativa; usar vocabulário conotativo; distinguir modalidades de enunciação: fórmulas interrogativas, exclamativas.

Considerações

Com este trabalho, sob a abordagem do ISD, pretendeu-se apresentar apoiar-se em pesquisas bibliográficas que contemplem o gênero textual campanha comunitária, para realizar a análise de um texto empírico real, sem a pretensão de esgotar as múltiplas possibilidades, com o objetivo principal de esquematizar as dimensões que devem ser aprendidas sobre o gênero antes de acontecer o ato de ensino.

Nessa linha, foi possível construir a modelização do gênero contemplando as condições da situação de comunicação, a arquitetura interna do texto e seus três folhados, e a dimensão não verbal por ser um gênero multissemiótico. Dessa forma, com a modelização, a transposição didática é facilitada, o que permite o uso do gênero como instrumento de ensino e aprendizagem e ferramenta didática para o planejamento de aulas que visem ao desenvolvimento de capacidades de linguagem.

Referências

Bakhtin, M. M. e Volochínov, V. N. (2006). Marxismo e filosofia da linguagem. 12. ed. São Paulo: Hucitec.

Braga, S. e Casagrande, J. P. (2015). Formação do Sujeito-Leitor: Modos de ler a partir de anúncios publicitários em livro didático (pp. 527-541). Fórum Linguístico, Florianópolis, 12(1). http://dx.doi.org/10.5007/1984-8412.2015v12n1p527.

Brasil. Secretaria de Educação Básica. (2018). Base Nacional Comum Curricular – BNCC. Secretaria de Educação Básica. Brasília, MEC/SEB.

Bronckart, J. P. (2006). Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Organização Ana Raquel Machado e Maria de Lourdes Meirelles Matencio. Campinas - São Paulo: Mercado de letras.

Bronckart, J. P. (2003). Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sociodiscursivo. Machado, A. R.; Cunha, P. (trad.). São Paulo: Educ.

Bueno, L.; Leal, A. A.; Guimarães, M. F. (2020). Multimodalidade e leitura em uma reportagem da Revista Veja97. Em Guimarães, A. M.M.; Carnin, A.; Lousada, E. G. (Org.). O Interacionismo Sociodiscursivo em foco: reflexões sobre uma teoria em contínua construção e uma práxis em movimento. Araraquara: Letraria, 331-352.

Cristovão, V. L. L. e Stutz, L. (2011) Sequências Didáticas: semelhanças e especificidades no contexto francófono como L1 e no contexto brasileiro como LE. In: Szundy, P.T.C. et al (Org.). Linguística Aplicada e Sociedade: ensino e aprendizagem de línguas no contexto brasileiro. Campinas: Pontes Editores, 1, 17- 40.

Decândio, F. R. e Nascimento, E. L. (2007). O gênero anúncio institucional de campanha comunitária como objeto de ensino de língua portuguesa e instrumento de socialização dos alunos do ensino médio público. https://www.faccar.com.br/eventos/desletras/hist/2007_g/textos/10.htm

Dolz, J. (2016). As atividades e os exercícios de língua: uma reflexão sobre a engenharia didática. D.E.L.T.A., 32(1), 237-260. http://www.scielo.br/pdf/delta/v32n1/0102-4450-delta-32-01-00237.pdf

Dolz, J. (2015). Seminário-Palestra Prof. Joaquim Dolz (2/3). 2015. https://www.youtube.com/watch?v=Gps1x4tmFwk

Dolz, J.; Gagnon, R.; Decândio, F. (2010). Produção escrita e dificuldade de aprendizagem. Decândio; Machado (Trad.). Campinas: Mercado das Letras.

Dolz, J. e Schneuwly, B. (2004). Gêneros e progressão oral e escrita – elementos para reflexões sobre uma experiência suíça (francófona). Em schneuwly, B; Dolz, J. Gêneros orais e escritos na escola (pp. 35-60). Campinas-SP: Mercado das letras.

Dolz, J.; Noverraz, M. e Schneuwly, B. (2004). Sequências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. Em Schneuwly, B.; Dolz, J. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas-SP: Mercado de Letras.

Gonzales, L. (2003). Linguagem Publicitária: análise e produção. São Paulo: Arte & Ciência Editora.

Kleiman, A. B. (2002). Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. 8ª ed. Campinas, São Paulo: Pontes.

Leal, A. A. (2011). A organização textual do gênero cartoon: aspectos linguísticos e condicionamentos não linguísticos. Tese (doutoramento) – FCSH-UNL: Lisboa, 2011. https://run.unl.pt/handle/10362/6646

Leal, A. (2015). Multimodalidade e argumentação no género textual reportagem. Diacrítica, 32(1), 25–41. https://run.unl.pt/bitstream/10362/64657/1/document.pdf

Lemke, J. L. (2010). Letramento metamidiático: transformando significados e mídias. Trad. C. Dornelles. Revista Trabalhos em Linguística Aplicada, 49(2). Campinas: DLA/IEL/UNICAMP. https://www.scielo.br/j/tla/a/pBy7nwSdz6nNy98ZMT9Ddfs/?lang=pt

Machado, A. R.; Cristovão, V. L. L. (2006). A construção de modelos didáticos de gêneros: aportes e questionamentos para o ensino de gêneros. Linguagem em (Dis)curso – LemD, Tubarão, 6(3), 547-573. http://portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/Linguagem_Discurso/article/view/349

Mendonça, A. P. (2019). Gênero multimodal: a campanha publicitária como ferramenta argumentativa de múltiplos discursos críticos. REVISTAX, Curitiba, 4(3), 211-226. https://revistas.ufpr.br/revistax/article/view/65582/39033

Nascimento, E. L. (2004). O gênero anúncio institucional de campanha comunitária como objeto de ensino de língua portuguesa e instrumento de socialização dos alunos do ensino médio público. https://www.faccar.com.br/eventos/desletras/hist/2007_g/textos/10.htm

Paz, D. M. S. (2002). O gênero publicitário em sala de aula: mais uma opção de leitura. Revista Linguagem e Cidadania, UFSM, 6(1), 2-21. http://coral.ufsm.br/lec/01_02/DioniL.htm

Pinto, R. (2010). Como argumentar e persuadir. Práticas: política, jurídica e jornalística. Lisboa: Quid Juris.

Ramalho, V. (2010). Análise de Discurso Crítica da publicidade: Um estudo sobre a promoção de medicamentos no Brasil. LabCom. https://labcom.ubi.pt/ficheiros/ramalho-analise-2010.pdf

Rojo, R. H. R. (2001). Modelização didática e planejamento: duas práticas esquecidas do professor? Em Kleiman, A. B. (Org.). Perspectivas da Linguística Aplicada. Campinas: Mercado das Letras, p. 313-335.

Schneuwly, B.; Dolz, J. (2004). Os gêneros escolares – das práticas de linguagem aos objetos de ensino (pp. 61-80). Em Schneuwly, B; Dolz, J. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas-SP: Mercado das letras.

Silva, C. C. (2015). Os gêneros anúncio publicitário e anúncio de propaganda: uma proposta de ensino ancorada na análise de discurso crítica. Dissertação (Mestrado Profissional em Letras). Universidade Federal de Uberlândia. https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/16753/1/GenerosAnuncioPublicitariio.pdf

Silva, S. P; Queiroz, S. T; Lucena, J. M. (2020). Textos Multimodais: A Produção do Gênero Anúncio de Campanha Comunitária em Foco. Rev. FSA, Teresina, 17(6), 204-225. http://www4.unifsa.com.br/revista/index.php/fsa/article/view/2046

Silva, S. P.; Silveira, B. B. F.; Souza F. E. B., Silva Junior I. F., Cipriano L. C. (2015). O anúncio publicitário na sala de aula: práticas de leitura, produção de texto e oralidade em foco. Revista Philologus, Ano 21, N° 63 – Supl.: Anais da X CNLF. Rio de Janeiro: CiFEFiL. http://www.filologia.org.br/rph/ANO21/63supl/098.pdf

Souza, F. E. B. (2017). O ensino de Língua Portuguesa e os projetos de letramento: uma proposta de atividades com foco na questão alimentar a partir do gênero anúncio de campanha comunitária. 77 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Linguística) - Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2017. https://repositorio.ufpb.br/jspui/handle/tede/9153.

Vieira, T. D. (2014). Texto publicitário e livro escolar: o anúncio publicitário em elaboração didática. Anais do 25º GELNE: UFRN. http://www.gelne.com.br/arquivos/anais/gelne-2014/anexos/1089.pdf


  1. Licenciatura em Letras. Mestrado em Ensino para a Educação Básica, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" – UNESP, Bauru. Doutoranda em Linguística e Língua Portuguesa, UNESP - Araraquara - Brasil. E-mail: kathia.canizares@unesp.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7912-3449↩︎

  2. Graduação em Psicologia pela UIP-SP. Mestrado e Doutorado em Psicologia Experimental e Letras pela Universidade de São Paulo. Filiação institucional atual Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP, Araraquara, SP - Brasil. E-mail: anise.ferreira@unesp.br ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5755-1434↩︎