Habilidades investigativas e educação pela pesquisa: reflexões sobre a iniciação científica no ensino médio

Investigative skills and education by research: Reflections on scientific initiation in high school

Lucas Pereira Gandra[1]

Resumen

Um dos desafios do ensino médio é propiciar uma visão holística de mundo ao estudante, para que este possa formar seu projeto de vida a partir de várias dimensões: culturais, científicas, tecnológicas e do trabalho. Dessa forma, o presente trabalho visou analisar as contribuições da iniciação científica no desenvolvimento de habilidades investigativas que competem a dimensão científica. A pesquisa foi realizada com 124 estudantes de uma Escola Estadual em Coxim-MS de fevereiro a dezembro de 2018. Ao longo de 80 aulas de 50 minutos divididas em momentos de orientação, acompanhamento e socialização, os estudantes desenvolveram projetos de pesquisa científica. A pesquisa possui uma abordagem qualitativa e descritiva, a coleta de dados foi realizada por meio de fontes documentais (plano de pesquisa, diário de bordo e relatório de pesquisa). A análise dos dados foi realizada a partir da triangulação de dados a partir dos dados empíricos, análise da conjuntura e diálogo com autores. Nesse sentido, por meio da análise de dados realizada, foi possível observar que a iniciação científica pode contribuir para o desenvolvimento de habilidades investigativas de percepção, instrumentação, construção conceitual, construção metodológica e construção social. Entretanto, não foi possível identificar o desenvolvimento de habilidades metacognitivas, pois estas necessitam um maior grau de complexidade para abstração em auto avaliar os resultados obtidos em suas pesquisas. Além disso, reitera-se que nem todos os estudantes desenvolveram todas as habilidades investigativas, pois assim como na Ciência, a iniciação científica aqui abordada respeitou a idiossincrasia de cada estudante, valorizando o protagonismo e a autonomia.

Palavras-Chave: iniciação científica; protagonismo; habilidades investigativas.

Abstract

Among the biggest challenges of high school is to give students a more comprehensive view of the word. That helps them to make life projects based on more than one dimension; cultural, scientific, technology and carrier. With that, the project focuses on analyzing the cooperation of the scientific initiation in development of investigative skills that apply to the scientific sense. The research was carried out with a sample of 124 students from a state school in Coxim – MS, from February to December 2018. Along of 80 classes of 50 minutes each one, were made three types of lessons: An orientation, a follow-up and a socialization one; the students developed science research projects. The research has a qualitative and descriptive approach, the data collection was made by documentary sources (research plan, logbook and research report). The data review was based on data triangulation from empirical data, analysis of conjuncture and talk with the authors. In that way, by the analysis of data, it was possible to see how that scientific initiation can help with the progress of skills like: investigations of perception, instrumentation, conceptual, methodological and social construction. But it was not possible recognize the progress of metacognitive skills, due to the need of a broader grade of complexity to abstraction in self-evaluating the results obtained in their research. Besides, not every student evolved in all of the research skills, because as in science, the initiation was in respect to every peculiarity of the students, looking for more protagonism and self-determination.

Keywords: science education, skills, protagonism, autonomy.

Introdução

O ensino médio no Brasil é a etapa final da educação básica, em que o estudante deve continuar a formação do seu projeto de vida, para isso a escola deve assegurar uma diversidade de experiências que promovam o protagonismo estudantil (Brasil, 2018). Nesse sentido, uma das ações pedagógicas está relacionada a educação científica que pode contribuir na formação de futuros pesquisadores.

Nesse campo há inúmeras metodologias de ensino que valorizam a educação científica, como a pedagogia da problematização (Mezirow et al., 2000), pedagogia do projeto (Taylor e Cranton, 2012), aprendizagem transformadora (Weimer, 2002), pesquisa como princípio pedagógico (Brasil, 2013) e educação pela pesquisa (Demo, 2011).

Nessa perspectiva a pesquisa pode ser considerada como ferramenta para fins científicos e educativos, ou seja, utilizada como metodologia de ensino para a construção do conhecimento (Prestes e Silva, 2009).  Além disso, a pesquisa contribui para a tomada de decisões, a capacidade argumentativa, e auxilia o processo de “saber” e “fazer” aquilo que se é ensinado (Coelho et al., 2010).

Tais contribuições da iniciação científica, ficam evidentes quando observamos a sua difusão no Ensino Superior e na Pós Graduação, que possuem a pesquisa com papel central e requisito obrigatório para a conclusão de mestrados e doutorados. Entretanto a pesquisa na educação básica é quase inexistente, e as poucas ações que se têm são elitizadas, ou seja, voltadas para pequenos grupos (Oliveira e Bazzo, 2016).

Existem diversos motivos que podem justificar a pouca realização de pesquisas na educação básica, dentre elas, destaca-se a deficiência na formação inicial de professores, uma vez que no Brasil é comum trabalhar-se pesquisa nos cursos de bacharelado, e apenas conteúdos e técnicas de ensino na licenciatura (Massena, 2015). E ainda a estrutura física limitada das escolas, que possuem internet e tecnologias (computador/notebook) precárias, bem como, ausência de laboratórios para a realização de experimentos e investigações.

Dessa forma ancorados pelas reflexões acima, percebe-se a importância da iniciação científica no ensino médio para ajudar o estudante a ter experiências na elaboração do seu projeto de vida. Entretanto, precisamos superar as barreiras iniciais como a falta de formação de professores, e as limitações estruturais. Nesse sentido, o presente trabalho, busca compreender: quais as habilidades investigativas que podem ser desenvolvidas durante a iniciação científica no ensino médio?

Desenvolvimento

Educação pela Pesquisa: pressupostos teóricos para seu uso como metodologia de ensino

Para Demo (2017), uma educação científica requer a habilidade de problematizar, que vai além de encontrar um problema de pesquisa, mas sim ser capaz de explorar o problema nas suas múltiplas dimensões políticas, econômicas, sociais, ambientais entre outras. Logo a educação pela pesquisa vai além de apresentar um problema e pedir para que o estudante construa hipóteses e investigue pelo método científico, trata-se de desenvolver no estudante habilidades investigativas, para que este tenha condições de ser protagonista e exercer sua autoria.

É fato que não existe um roteiro definido para que o professor promova a educação pela pesquisa, entretanto há pressupostos que podem nortear o seu fazer pedagógico. Um deles é o questionamento reconstrutivo, que está correlacionado com a capacidade do sujeito de problematizar e questionar os acontecimentos de seu contexto histórico social, aliado ao caráter reconstrutivo que traz um aspecto inovador (Demo, 2011). Cabe ressaltar que inovador não necessariamente precisa ser algo inédito, mas uma reconstrução daquilo que existe, ou seja, atribuir novos olhares para o problemas pré-existentes.

Outra condição relevante para o fazer pedagógico do educar pela pesquisa, é que o professor também seja pesquisador, capaz de pesquisar aquilo que se ensina, bem como produzir conhecimento científico sobre aquilo que é ensinado (Becker, 2007). Tal premissa vai ao encontro do que Demo (2017) propõe sobre alfabetizar o alfabetizador, ou seja, para que a educação científica seja emancipatória, é preciso que o professor seja cientista, pesquisador e autor. Trata-se então de refazer o projeto das licenciaturas no Brasil que possuem todo o foco na aula e na transmissão de conteúdos, e passar a desenvolver habilidades de estudar, pesquisar, produzir ensaios, exercer a autoria e fazer ciência.

Além disso, a educação pela pesquisa, deve ser autoral, em que o estudante tenha condições plenas de exercer sua autoria em todos os momentos da pesquisa, desde a problematização inicial até a comunicação dos resultados (Demo, 2015). Para isso o docente pode utilizar do diálogo, pois como afirma Freire (1987) o processo de ensino e aprendizagem é mútuo em que educador e educando são capazes de aprender e ensinar mediatizados pelo mundo.

Inclusive na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que é um documento norteador do ensino médio, defende o protagonismo estudantil (Brasil, 2018). Entretanto ressalta-se que para isso é preciso romper com a visão do ensino tradicional de professor transmissor do conhecimento, e assumir uma postura mais aberta como mediador.

Enfim, uma vez que a educação científica vai além dos conteúdos e busca o desenvolvimento de habilidades e competências científicas, surge a necessidade de entender quais são as habilidades investigativas podem ser desenvolvidas, bem como, o que se têm pesquisado sobre esse tema na literatura do Ensino de Ciências.

Habilidades Investigativas no Ensino de Ciências: o que diz a literatura?

A literatura sobre o desenvolvimento de habilidades investigativas em atividades de iniciação científica é vasta no que tange seu estudo com discentes do ensino superior (Bocchino et al., 2012; Herrera et al., 2012; Carrillo-Larco e Carnero, 2013; Reyes, 2013; Toledo et al., 2013; Herrera, 2013; Rodríguez e Delgado, 2014a; Rodríguez e Delgado, 2014b; Poveda e Chirino, 2015; Saltos e Bao, 2016; Molina et al., 2016) , entretanto é restrita, pois quando se trata de pesquisas sobre seu desenvolvimento em discentes de ensino médio é escassa (Perez, 2014).

O trabalho de Bocchino et al., (2012) foi desenvolvido com um grupo de professores e acadêmicos da graduação em enfermagem da Escuela Universitaria Salus Infirmorum da Universidade de Cádiz que desenvolveram projetos científicos, em um regime semipresencial, no qual algumas atividades foram realizadas pela mediação de tecnologias como a postagem de itens do projeto como hipótese e problema de pesquisa em fóruns ou blogs. Os resultados apontaram a contribuição da tecnologia para a facilitação do desenvolvimento das pesquisas, e que o ensino pautado em habilidades investigativas aproximou professores e acadêmicos, aumentando também a produtividade científica da Universidade. Entretanto o trabalho não evidencia quais habilidades foram desenvolvidas pelos discentes.

Tratando-se do desenvolvimento de habilidades investigativas em acadêmicos do curso de medicina Herrera et al. (2012) desenvolveram uma pesquisa com acadêmicos de todos os anos, professores, vice-diretores e especialistas em gestão educacional e docência no ensino de medicina da Universidade de Ciências Médicas de Pinar Del Río. Nesse trabalho após entrevistas com os participantes os autores elaboraram uma estratégia didática para o desenvolvimento de habilidades investigativas gerais como: problematizar a realidade; teorizar a realidade (produzir uma hipótese de solução); comprovar a realidade (testar a validade da hipótese) e ao final do estudo a estratégia foi considera como adequada pelos especialistas, mas não foi aplicada e avaliada pelos autores.

Ainda no contexto específico do ensino de medicina Herrera (2013) aponta algumas tendências atuais a nível internacional para o desenvolvimento de habilidades investigativas como “Aprendizagem Baseado em Problemas”, “Modelo RSD”, “Comissão Boyer para a educação de investigação em universidades”, “Marco do paradigma cognitivo do currículo”, “Medicina Baseada na Evidência”, “Programa Institucional de Grupos de Pesquisa” e “Aprendizagem sobre forma de Pesquisa”, estas tendências apontadas são utilizadas em contextos específicos para o ensino com estudantes de medicina. Também trabalhando com acadêmicos de Medicina Carrillo-Larco e Carnero (2013) investigaram a existência de habilidades investigativas por meio da autoavaliação com acadêmicos do primeiro ano de Medicina da Universidad Peruana Cayetano Heredia. De acordo com estes autores os acadêmicos demonstraram habilidades investigativas limitadas, porém um interesse grande pela carreira de pesquisador.

Além dos estudos com acadêmicos de medicina e enfermagem, Poveda e Chirino (2015) estudaram por meio de revisão de literatura o desenvolvimento de habilidades investigativas com acadêmicos de Direito e refletiu sobre o cenário encontrado na Universidad Privada Domingo Savio de Potosí e constatou que pouco é feito de estudos nesta área e aponta veemente a necessidade do Estado e dos docentes universitários fornecerem condições favoráveis para que os graduandos em Direito possam responder de maneira satisfatória as exigências de sua formação profissional e do exercício de sua profissão.

Já Molina et al. (2016) traz importantes avanços no estudo da relação entre habilidades investigativas e iniciação científica na graduação, por trazer um enfoque diretamente relacionado ao mundo do trabalho, ao qual analisaram a literatura em função das exigências da indústria de softwares trabalhadas na Universidad de las Ciencias Informáticas de Cuba. Em seu estudo os autores ressaltaram a crescente importância da necessidade da formação das habilidades investigativas na graduação, entretanto apontaram que estas não estão satisfazendo as exigências da indústria de software que requerem a solução de problemas científicos cada vez mais complexos e interdisciplinares.

Tratando-se de interdisciplinaridade, desenvolver habilidades investigativas não é função restrita das disciplinas profissionais, pesquisas como a de Toledo et al. (2013) que abordou sobre a contribuição da disciplina de física para o desenvolvimento de habilidades investigativas em acadêmicos de engenharia biomédica do Instituto Superior Politécnico José Antonio Echeverría de Cuba. Em um trabalho bastante objetivo os docentes de Fìsica I, II e III definiram critérios para dirigir o trabalho metodológico da pesquisa e apresentaram os resultados obtidos por dois trabalhos. Apesar dos bons resultados, no trabalho houve uma atenção apenas aos resultados da investigação científica e não ao processo de ensino e aprendizagem e quais habilidades investigativas foram manifestadas.

As preocupações com a formação de habilidades investigativas no cenário internacional transcendem ainda o ensino presencial e também é objeto de estudo de pesquisas no ensino a distância como a de Reyes (2013) desenvolveu uma estratégia didática para acadêmicos que cursam o bacharelado na modalidade à distância. Dessa forma o autor propôs três tipos de pesquisas de iniciação científica como pesquisa documental, pesquisa ação e pesquisa de intervenção para os acadêmicos do bacharelado a distância, deixando claro que estes tipos de pesquisas são sugestivas e não limitadas, quanto as habilidades investigativas o autor discute teoricamente a importância de habilidades instrumentais (dominar a linguagem, observar, questionar e etc.) e habilidades sociais (trabalhar em equipe, socializar a construção do conhecimento, compreender, dialogar e etc.) entretanto a pesquisa se encontra em andamento na etapa de gerar propostas multidisciplinares e formar uma rede colaborativa de pesquisadores entre acadêmicos do bacharelado a distância e professores.

Em outra visão Rodríguez e Delgado (2014a) aborda sobre a importância das habilidades investigativas como eixo transversal para a formação de pesquisadores na graduação, os autores também realizaram uma revisão de literatura e trouxeram importantes considerações conceituais para a área, bem como apontaram uma crítica sobre as produções atuais que abordam apenas o desenvolvimento e a formação de habilidades investigativas sem refletir sobre a etapa de orientação de pesquisas e dos modos de atuação dos docentes.

Em contrapartida a crítica de Rodríguez e Delgado (2014a), as autoras Saltos e Bao (2016) tiveram como objeto de estudo o desenvolvimento de habilidades investigativas dos docentes de jornalismo da Facultad de Ciencias de la Comunicación da Universidad Laica “Eloy Alfaro” de Manabí, ao qual refletiram sobre a prática pedagógica dos docentes e delinearam com base na literatura um rol de habilidades investigativas que podem auxiliar os docentes na condução de estratégias didáticas pautadas no processo de ensino e aprendizagem por investigação científica. Tendo em vista a relevância de se formar um profissional capaz de solucionar os problemas em seu entorno, é interessante que o desenvolvimento de habilidades investigativas faça parte da preparação diária dos docentes, de tal maneira que a prática investigativa se torne natural em seu cotidiano de atuação docente.

Em outro trabalho Rodríguez e Delgado (2014b) realizam uma análise da literatura especializada sobre a formação e o desenvolvimento de habilidades investigativas na graduação, e propõe um primeiro marco teórico sobre as tendências que tem caracterizado o processo de ensino e aprendizagem, e refletem no campo conceitual as definições e tipologias das habilidades investigativas. A respeito das principais tendências atuais de pesquisa na área, as autoras apontam trabalhos que envolvem a relação das habilidades investigativas com o processo de formação profissional na graduação; a formação para a pesquisa a partir da perspectiva do desenvolvimento das habilidades investigativas; a fundamentação psicológica, pedagógica e didática para o processo de ensino e aprendizagem.

 Ficou evidente aqui que as habilidades investigativas e atividades de iniciação científica possuem ampla relevância na área educacional pela quantidade de pesquisas na área e pelas contribuições para a formação de profissionais mais capacitados para a carreira de pesquisadores e também prontos para a resolução de problemas cotidianos.  Entretanto esta realidade de ensino é um privilégio para o ensino superior, enquanto no ensino fundamental e médio continuam se utilizando metodologias tradicionais pautadas na transmissão do conhecimento. Além das pesquisas terem como foco o ensino superior, percebe-se ainda pesquisas oras superficiais que colocam em prática o ensino pautado em habilidades investigativas e não as avaliam outrora apenas revisões de literatura sobre o ensino fundamentado em habilidades investigativas.

Uma das primeiras iniciativas de pesquisas com discentes da educação básica é a de Perez (2014) que avaliou as habilidades investigativas desenvolvidas por meio de uma atividade de iniciação científica com discentes do 1º ao 5º Grau do ensino secundário da I.E Inca Garcilaso de La Vega del distrito de Mórrope, provincia de Lambayeque no Peru. Nesta pesquisa a autora solicitou que graduandos da Universidad César Vallejo Chiclayo orientassem as atividades de iniciação científica e por meio de questionários prévios e posteriores constatou o desenvolvimento de habilidades investigativas específicas como formular um problema de pesquisa, produzir uma revisão de literatura, realizar citações bibliográficas entre outras. As contribuições desta pesquisa são relevantes como ponto de partida para o trabalho de habilidades investigativas aliadas a atividades de iniciação científica na educação básica, pode expandir horizontes para além de preparar os discentes para resolver problemas cotidianos por meio de pesquisas científicas também contribuir para o aprendizado em disciplinas tradicionais do currículo como química, física, matemática e etc.

Metodologia

Contexto da Pesquisa

A realização da presente pesquisa foi em uma Escola Estadual situada em Coxim-MS no ano letivo de 2018 entre os meses de fevereiro a dezembro. Nessa escola o Ensino Médio é ofertado em tempo integral, e o currículo compreende as disciplinas da Base Nacional Comum Curricular (Química, Física, Arte, Língua Portuguesa e etc) e a Parte Diversificada com disciplinas eletivas de iniciação científica, protagonismo juvenil e cultura corporal, além de estudo orientado para aprofundamento em Linguagens e Matemática e a disciplina de Projeto de Vida. A intervenção didática aqui proposta foi realizada com as cinco turmas da escola contemplando as três séries (1ª, 2ª e 3ª), em que participaram 124 estudantes.

O componente curricular de iniciação científica possui uma carga horária semanal de duas aulas de 50 minutos. A distribuição das atividades por aula, aconteceram conforme o quadro 1.

Quadro 1

Organização da intervenção didática

Atividade

Período

Quantidade de Aulas

Elaboração de Projeto

1º Bimestre

24 aulas

Desenvolvimento da Pesquisa

2º e 3º Bimestre

36 aulas

Comunicação de Resultados

4º Bimestre

20 aulas

Fonte: Autoria Própria

Os estudantes optaram em desenvolver a pesquisa individualmente ou em grupos de dois ou três estudantes conforme o regulamento de feiras científica de nível médio. Ao longo de todas as aulas, a dinâmica das aulas consistiu em três momentos sendo:

1º Orientação: Nesses momentos o professor apresentava por meio de aula expositiva e dialogada temas para a discussão como: projeto de pesquisa, método científico, relatório de pesquisa, diário de bordo entre outros.

2º Acompanhamento: Eram momentos de reunião particular de 10 a 15 minutos para acompanhar o desenvolvimento e discutir os desdobramentos de cada pesquisa.

3º Socialização: Em que tinham reuniões coletivas para os estudantes apresentarem o andamento de suas pesquisas para todo o grupo.

Delineamento da Pesquisa

A pesquisa apresenta uma abordagem qualitativa por reunir dados descritivos por meio da relação direta entre o pesquisador e o contexto de estudo, primando pelo processo em detrimento do produto, atentando-se em retratar a ótica dos participantes da pesquisa (Bogdan e Biklen, 2003). A opção por esta natureza foi a ênfase do trabalho em analisar o desenvolvimento das habilidades investigativas ao longo de toda a intervenção didática e não apenas o produto da pesquisa obtido pelos discentes. 

Quanto aos objetivos, trata-se de uma pesquisa descritiva, que para Gil (2008) consiste na descrição das características obtidas no estudo, assim como, a proposição de relações entre as variáveis estudadas. A escolha da pesquisa descritiva se deu pela finalidade da descrição das habilidades investigativas desenvolvidas pelos discentes durante as atividades de iniciação científica. Esta pesquisa também se enquadra como pesquisa de campo pois o pesquisador conduzir a intervenção didática e coletou dados em sala de aula (Marconi e Lakatos, 2003).

Outra técnica de pesquisa primordial para este trabalho foi a pesquisa documental, que difere da pesquisa bibliográfica no que a tange a análise de textos oriundos de fontes primárias e que não foram tratados analiticamente (Gil, 2008). A utilização da pesquisa documental trabalha tanto com textos de domínio público ou de acervo privado, nessa pesquisa, uma peça chave para análise do desenvolvimento de habilidades investigativas foi o diário de bordo que consta todos os registros dos discentes durante a intervenção didática.

Coleta de Dados

Nesta pesquisa, a coleta de dados foi realizada por meio da pesquisa documental a partir dos instrumentos, plano de pesquisa, diário de bordo, relatório de pesquisa e banner científico, que para Marconi e Lakatos (2003) são fontes documentais retrospectivas coletadas pelo pesquisador após o acontecido. Uma breve descrição dos itens coletados se encontra a seguir:

- Plano de Pesquisa: contendo o problema de pesquisa, a hipótese de solução e os métodos a serem utilizados no projeto de pesquisa;

- Relatório de Pesquisa: detalhamento de toda a pesquisa desenvolvida contendo uma introdução, revisão de literatura, objetivos, metodologia, resultados e discussão, considerações finais e referências bibliográficas;

- Diário de Bordo: instrumento em que os participantes do projeto relatam minuciosamente de maneira cronológica os passos com todos os erros e acertos da pesquisa para que os avaliadores possam ter maior ciência do percurso metodológico seguido pela pesquisa.

Esses instrumentos foram escolhidos por serem requisitos para a apresentação dos estudantes em feiras científicas pré-universitárias. Todos os estudantes apresentaram suas pesquisas na Feira de Ciências e Inovação do Norte de Mato Grosso do Sul (FECINORTE) organizada pela Escola Estadual Viriato Bandeira, e conforme o desempenho, alguns projetos foram selecionados para a apresentação na Feira de Ciência e Tecnologia de Coxim (FECITECX) organizada pelo IFMS campus Coxim, outros para Feira de Tecnologia, Engenharia e Ciências de Mato Grosso do Sul (FETECMS) organizada pela UFMS, outros na Feira Brasileira de Ciências e Engenharias (FEBRACE) organizada pela USP, outros na Mostra Internacional de Ciência e Tecnologia (MOSTRATEC) organizada pela Fundação Liberato Salzano Vieira da Cunha e outros na Milset Expo-Sciences em Abu Dhabi nos Emirados Árabes Unidos.

Tratamento e Análise de Dados

Uma etapa imprescindível que se situa entre a coleta e a análise dos dados é o tratamento dos dados que Flick (2004) compreende como relevante para a transição dos “dados brutos” para os dados sistematizados fornecendo melhores condições posteriores para sua análise. Nesta etapa foi realizada a leitura minuciosa dos instrumentos coletados.

Para análise dos dados, utilizou-se o processo de triangulação de métodos (Figura 1) que para Vieira e Andrade (2014) permite a articulação entre o preparo dos dados coletados e a análise propriamente dita utilizando diversos procedimentos empregados. De acordo com os mesmos autores é fundamental a articulação entre três aspectos, sendo o primeiro correspondente aos dados empíricos que nesta pesquisa são (plano de pesquisa, diário de bordo e relatório de pesquisa), o segundo é caracterizado pelo diálogo entre pesquisadores que atuam na temática da pesquisa e o terceiro aspecto seria a análise da conjuntura, ou seja, o conjunto de acontecimentos vivenciados no processo de ensino e aprendizagem de forma mais ampla. Podemos relacionar estes aspectos da seguinte forma:

 

 

 

 

Figura 1

Aspectos da Triangulação de Métodos.

Fonte: Vieira e Andrade (2014)

Para Gomes et al., (2010) ao longo desta triangulação de métodos o pesquisador passou por três processos interpretativos, cujo primeiro trata-se da valorização do fenômeno e da técnica de coleta de dados, caracterizada por três etapas (transcrição dos dados, pré-análise e categorização), para auxiliar neste processo interpretativo será utilizado à análise de conteúdo Bardin (2009), pois investiga o que está sendo dito sobre determinado tema, produzindo categorias que permite melhor compreensão dos dados coletados. No segundo processo interpretativo preconizou-se a avaliação triangulada dos dados por meio de uma leitura aprofundada e reflexiva do material categorizado, confrontando os dados e inferindo possíveis convergências ou divergências, em seguida por meio das reflexões emergentes etapa anterior, o pesquisador investigou possíveis relações com outros autores da literatura que pesquisaram a mesma temática, finalizando este segundo processo com uma análise da conjuntura que permitirá uma visão mais holística das situações analisadas, levando a considerações sobre os aspectos que nortearam o “olhar” utilizado sobre os dados (Gomes et al., 2010).

Enfim, no terceiro processo interpretativo buscou-se a reflexão sobre as inferências levantadas sobre a análise dos dados empíricos triangulando com as considerações da literatura e com a análise da conjuntura propiciando a transição do contexto particular da pesquisa para uma observação mais ampla da realidade.

Resultados e Discussões

A partir da intervenção didática ministrada, foram realizadas 62 pesquisas científicas com os 124 estudantes participantes. A área do conhecimento da pesquisa não foi imposta aos estudantes, logo eles tiveram liberdade para a elaboração da pesquisa em qualquer área do conhecimento. Para isso, como o pesquisador e docente da disciplina possui formação apenas em Matemática, Química e Física, para melhor desenvolvimento das pesquisas, os demais professores do corpo docente atuaram como coorientadores da pesquisa. No quadro 2 é possível ver a distribuição das pesquisas por área do conhecimento.

Quadro 2

Distribuição das Pesquisas por Área do Conhecimento

Área do Conhecimento

Quantidade de Projetos

Ciências Exatas e da Terra

8

Ciências Humanas e Sociais

10

Ciências Agrárias

9

Ciências da Saúde

13

Ciências Biológicas

9

Ciências da Computação

8

Engenharias

5

Fonte: Autoria Própria

Para a análise do desenvolvimento de habilidades investigativas ao longo da intervenção didática, utilizou-se como referência o aporte teórico de Moreno (2005) que desenvolveu um perfil de habilidades investigativas comumente desenvolvidas, que podem ser agrupadas em sete núcleos:

- Habilidades de Percepção (Sensibilidade aos fenômenos, intuição, extensão da percepção e percepção seletiva);

- Habilidades Instrumentais (Dominar a leitura e a escrita, inferências, induções, deduções, análise, síntese, interpretação, observação e capacidade de questionar);

- Habilidades de Pensamento (Pensar criticamente, reflexivamente, de maneira autônoma e a flexibilidade do pensamento);

- Habilidades de Construção Conceitual (Apropriar e reconstruir ideias, gerar novas ideias, organizar, expor e defender ideias, problematizar, delinear e construir um objeto de estudo e realizar sínteses conceituais);

- Habilidades de Construção Metodológica (Construir o método de pesquisa, observações, instrumentos de avaliação, organizar, sistematizar e analisar os dados coletados);

- Habilidades de Construção Social (Trabalhar em grupo, socializar o processo de construção do conhecimento, socializar o conhecimento e comunicações dos resultados);

- Habilidades Metacognitivas (Autoavaliar a relevância das ações intencionais da pesquisa para a geração de conhecimento, reavaliar a aproximação do objeto de estudo, questionar a consistência e a validade dos produtos obtidos pela pesquisa).

Para facilitar a discussão, dividimos a análise em quatro categorias conforme os instrumentos de dados coletados que são: plano de pesquisa, diário de bordo e relatório de pesquisa.

Análise do Plano de Pesquisa

O plano de pesquisa é o ponto de partida em que os estudantes vão planejar a realização da pesquisa, nesse instrumento conforme o Anexo 1, precisava ser elaborado um título, o problema de pesquisa, a hipótese, e a possível metodologia, além das três principais referências consultadas para a elaboração do projeto de pesquisa.

Alguns dos problemas de pesquisa elaborados pelos estudantes foram:

Grupo 1: “Quais são as percepções sociais dos estudantes da Escola Viriato Bandeira sobre o tema violência contra a mulher? E quais as percepções acerca da igualdade de gênero?

Grupo 2: “Quais são as possíveis alternativas para a diminuição do consumo de carnes defumadas a base de alcatrão e outros produtos tóxicos?”

Grupo 3: “Como produzir sabonetes e hidratantes sem uso de produtos químicos ou de origem animal?”

A priori, observa-se que os problemas de pesquisa identificados possuem relação com o cotidiano dos discentes que se preocuparam com o enfrentamento da violência contra a mulher, ou a busca por consumo de alimentos mais saudáveis, e ainda o uso de produtos para higiene pessoal menos agressivos a pele.

Nessa fase, os planos de pesquisa permitem a inferência de que os estudantes mobilizaram habilidades investigativas dos núcleos de percepção e pensamento. Principalmente as habilidades inerentes a percepção auxiliaram os estudantes a refletirem sobre o mundo a sua volta e buscar a escola e a ciência para melhorar sua qualidade de vida e minimizar problemas sociais. Esse fator é coerente com a educação pela pesquisa que possui um caráter emancipatório (Demo, 2017), em que o estudante percebe que os conhecimentos adquiridos na escola podem ir além de ser bem avaliados em provas, mas também contribuir para a transformação social.

Ainda no plano de pesquisa, podemos elencar algumas hipóteses criadas pelos estudantes como:

Grupo 1: “Nossa hipótese é de que alguns estudantes apresentam uma visão estereotipada sobre os gêneros com uma óptica machista e opressora”

Grupo 2: “Analisar a aceitabilidade da carne de frango defumada a partir de fumaça liquida como alternativa ao alcatrão

Grupo 3: “Produzir sabonetes e hidratantes há base de produtos naturais como semente de maracujá

A partir das hipóteses percebe-se que reiteram a busca pela emancipação social, como por exemplo, o grupo que estuda a violência contra a mulher, que buscou entender o problema a partir da visão das pessoas da comunidade, para então desconstruí-lo buscando uma sociedade mais igualitária. Tal busca pode ser um indício de que essa intervenção didática tem potencial de ser libertadora, afim de liberar as “amarras” dos oprimidos (Freire, 1987). No que tange as habilidades investigativas, trata-se do desenvolvimento das habilidades de pensamento, por meio do exercício da reflexão e da auto crítica.

Diário de Bordo

O diário de bordo foi essencial para compreender as habilidades investigativas desenvolvidas durante a fase de execução da pesquisa, pois nesse instrumento registrou-se todas as ideias, nuances, desdobramentos, erros e acertos de cada pesquisa. Os principais núcleos observados pelos registros dos estudantes foram habilidades instrumentais, conceituais, metodológicas e sociais.

As habilidades instrumentais se desenvolveram em geral na fase de revisão da literatura, em que nos diários de bordos apareceram registros de fichamento de artigos científicos que serviram de base para o desenvolvimento da pesquisa. A leitura de artigos científicos serviu para desenvolver as habilidades de realizar leituras, análises, inferências e sínteses sobre o objeto de estudo. Na figura 2 podemos observar o registro de um diário de bordo que manifestou as habilidades instrumentais.

Figura 2

Registro de Análise de Artigo Científico

É notório que houve um cuidado da estudante de usar um artigo científico como fonte de pesquisa, pois ela identificou em seu fichamento dados cruciais como título, autor e revista de publicação, além disso percebe-se que houve a preocupação em produzir inferências, pois além da síntese do artigo, a estudante manifestou deduções a respeito do seu objeto de estudo que era a alimentação de pessoas. Tratando-se do nível de ensino médio é um avanço significativo promovido pela educação pela pesquisa, uma vez que é comum os estudantes utilizarem como fontes de pesquisa sites e blogs sem credibilidade científica para suas pesquisas escolares.

Outras habilidades manifestadas foram as do núcleo metodológico, em que constam registros procedimentais sobre a produção da barra de cereal com alto valor proteico para vegetarianos. Além disso, existem registros de técnicas de pesquisa para a investigação da aceitabilidade do produto, como por exemplo, o uso de análise sensorial.

E ainda, nos momentos de reuniões coletivas, constam registros da discussão dos resultados parciais com os colegas, que podem ter desenvolvido habilidades de construção social, em que os estudantes socializaram as ideias e resultados e registraram no diário de bordo, ideias e críticas de outros estudantes para melhorar a pesquisa.

Relatório de Pesquisa

O relatório de pesquisa é um instrumento que permite oficializar os resultados obtidos com detalhe para que outras pessoas possam replicar a pesquisa realizada e investigar a reprodutibilidade. Nesse sentido, os dados que foram registrados informalmente no diário de bordo, foram transcritos no relatório utilizando-se a escrita científica.

Aqui é um instrumento em que o estudante pode exercer a autoria conforme preconiza Demo (2015), em que o discente é livre para produzir seu relatório e comunicar os resultados finais de sua pesquisa para a comunidade acadêmica que são graduados, especialistas, mestres e doutores nas diversas áreas do conhecimento e que são parceiros da escola, exercendo a função de avaliadores nas feiras científicas, fornecendo um feedback valioso para os estudantes.

Dentre as habilidades investigativas aqui desenvolvidas estão as instrumentais, de construção conceitual e construção metodológica, a partir da produção da introdução, objetivos, metodologias, resultados e discussões, considerações finais e referências. Tais observações foram ao encontro dos resultados obtidos por Perez (2014) em que estudantes do ensino secundário, equivalente ao ensino médio no Brasil, desenvolveram habilidades inerentes a formulação de problemas, produzir revisão de literatura e realizar citações bibliográficas, entretanto por meio do relatório evidencia-se que os estudantes público-alvo dessa pesquisa foram além e conseguiram empregar diversos métodos e técnicas de pesquisa como entrevistas, análise sensorial, pesquisa documental, pesquisa de campo, análise de questionários entre outros.

 Conclusões

A partir dessa pesquisa foi possível verificar que educação pela pesquisa é uma estratégia didática que pode contribuir para o desenvolvimento de habilidades investigativas de percepção, instrumentação, construção conceitual, construção metodológica e construção social. Entretanto não foi identificado habilidades investigativas metacognitivas, pois estas requerem uma maturidade intelectual complexa para serem capazes de auto avaliar os resultados obtidos com criticidade, bem como, reaproximar do objeto de pesquisa.

Além disso, nem todos os estudantes desenvolveram habilidades investigativas de todos os núcleos, pois assim como a pesquisa e a ciência, o caráter idiossincrático é preponderante, ou seja, cada estudante pesquisador possui uma singularidade em conduzir sua pesquisa. Logo o docente não pode esperar que todos os discentes tenham o mesmo desenvolvimento.

E ainda, a educação pela pesquisa pautada no exercício da autoria demonstrou que é possível oferecer uma educação emancipatória, e libertar as amarras do oprimido, mas para isso é preciso libertar-se da aula conteudista e focar em propostas didáticas como essa para o desenvolvimento de habilidades investigativas em consonância com a aprendizagem.

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[1] Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: luca.gandra@hotmail.com, ORCID https://orcid.org/0000-0001-7587-4384